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[Jornada] - When all is said and done ;

3 participantes

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Mensagem por Convidado 19th abril 2014, 01:01





i need you to hear me
i want to feel this




there's a stinging pain in my chest; treinamento de froakie



Sento aqui onde todas as coisas começam e terminam, olhando para o mundo com olhos insones. Uma cerveja barata cambaleia em meus dedos, trêmula, desejosa por sentir a altura; conhecer a queda em primeira mão. O vento açoita meu rosto. É aquele mesmo vento que só consigo sentir aqui, a muitos e muitos metros do chão.

Não há jeito melhor que comemorar meu aniversário, imagino. Bêbado, diante de um precipício que se estende diante de um colégio que já não é mais meu, sentindo o vento e imaginando a queda. Imaginando meu corpo estatelado diante dos portões do Hannover IV. Visualizando, até, os alunos curiosos aglomerados em volta para ver o cara morto. Ririam de mim e do fim patético que tive? Ou passariam por mim, despercebidos, até alguma garota estridente gritar com voz aguda?

Eu não sei. Jamais saberei. Não vou me jogar daqui, não hoje. O céu se derrete num poente bonito que é uma bola de fogo cruzando o horizonte. As nuvens, laranjas e rosas, se perdem na imensidão azul da tarde que escurece. O tempo vai, pouco a pouco, alcançando a perfeição anil. As estrelas despontam. E o vento continua, assobiando sobre o telhado do colégio. Minhas pernas pendem moles para além das calhas e das telhas e eu as balanço como uma criança.

Estou com medo.

Meu celular tirei do bolso e ele permanece bem seguro em minha mão. Cutuco com ele o queixo. Há um número digitado ali, me olhando maledicente. Meu polegar dança sobre o botão da chamada, que é um telefonezinho verde. Um clique, e eu saberei o que me mata. Um clique, e todas as minhas dúvidas e medos e temores serão verdade. Mas eu hesito em tornar este pesadelo real. Eu não quero que seja real.

Esta manhã acordei num quarto que fedia a perfume barato. Os lençóis amassavam sob mim, as roupas empaçocavam no chão e ainda havia uma calcinha vermelha pendendo da maçaneta. Vulgar. Minha companhia da noite havia ido embora, claro. A carteira era a única que permanecera, magra, sobre o criado-mudo. Quando me arrastei para pegá-la, trombei com o celular. Desligado, inerte; morto.

Eu o liguei só para constatar o que já sabia: as mensagens e ligações perdidas atulhavam o monitor. Todas da garota que eu chamava de noiva; aquela que me esperava em casa com um sorriso. Que sempre me aceitava de volta, apesar das brigas e das decepções.

Que desculpa eu havia dado desta vez? Já não lembrava. Eu nunca lembrava, tropeçando sempre nas mentiras, me contradizendo, mas ela escolhia não ver e sorrir e me aceitar de volta — sempre me aceitar de volta — por dizer que me amava. E amava? Ou era apenas cômodo não ficar sozinha, mesmo que tivesse de aturar alguém como eu?

Não fazia diferença. Não fazia diferença quando eu deitava de costas naquela cama de motel, acendendo um cigarro e assistindo a fumaça se perder para o teto. Minha vida... Que droga eu havia feito com ela? Quando foi que as coisas haviam ficado tão erradas e vazias e sem sentido? Ou elas sempre foram assim e eu apenas não era capaz de ver?

— Parabéns pra mim.

Voltei para casa de banho tomado, barba feita, cabelo penteado. Eu não parecia o mesmo cara que passara a noite toda com uma prostituta que gemia meu nome, em busca de um orgasmo e um prazer e uma efervescência irreal. Parecia, antes, o perfeito Mark Sheppard: bom filho, bom namorado, bom aluno, bom funcionário. O epítome da decência. Um exemplo a ser seguido. Nunca um ser humano agora, apenas um estereótipo dos bons costumes. Sem falhas, sem vícios, sem pecados nem desejos.

O perfeito Mark Sheppard bateu na porta. As malas estavam empilhadas a meu lado exatamente como estão agora, escorregando pelas telhas do colégio. Àquela altura estavam bem dispostas no chão, numa pirâmide que decrescia. Meu rosto trazia um cansaço que eu não sentia. Minha postura toda denunciava tédio, aborrecimento e uma vontade louca de voltar pro meu apartamento, pras minhas coisas e pra minha garota. Não queria nada daquilo, a saber.

Mas quereria. Quero agora.

Ela abriu a porta. Usava uma camisola ainda. Que horas seriam? Meu relógio dizia quatro e meia. Era cedo demais? Os ônibus circulavam àquele horário? Havia um ônibus chegando de Santalune às quatro da manhã?

— Sarah, eu consegui carona com um amigo. Ele me trouxe até aqui. Estou cheio de fome, tem algo pra comer?

Tentei atravessar para o interior do apartamento, mas aquele corpo de menina me barrou.

— Não sei como sabe meu nome. Mas sei que não vai entrar aqui.

E eu ri.

Que tipo de piada era aquela? Ela estava querendo se vingar de mim por todas as vezes em que a deixei esperando? Por todos os sorrisos falsos, por todas as escapadas e traições? Sorri. Aquele jogo não iria funcionar comigo. O apartamento, afinal de contas, era meu.

— Sarah, isso não é engraçado. Estou cansado, com uma dor de cabeça horrível. Não tenho tempo pra esse tipo de coisa.

— E eu não tenho tempo pra loucos como você às quatro da manhã. Saia daqui antes que eu chame a polícia.

Ela estava séria. Sua voz não vacilava.

— Eu quero entrar e eu vou. O apartamento é meu. Vê? Eu tenho as chaves. — O chaveiro dançou por um instante em frente a seu nariz — Por que um completo estranho teria as chaves? Agora pode parar de fingir que não me conhece, ok? Não vai colar.

— Você é louco — Horrorizada, aumentou o tom — Você é louco! Socorro! Socorro, alguém me ajude!

Tentei tapar-lhe a boca com a mão, mas já era tarde. A gritaria atraíra a atenção dos vizinhos. Eram olhos curiosos despontando das portas, olhando para a mais nova briga de casal do corredor. Uma briga estranha. Uma briga como eu nunca havia tido antes. Ela nunca fingira não me conhecer, por que começar agora?

— Sr. Flinch! — Sarah gritou e correu para junto do velho do 404 — Por favor, me ajude!

— Flinch, ela está louca. O senhor sabe que este apartamento é meu. Há fotos minhas em todo lugar! Minhas coisas estão aí dentro!

— Eu nunca te vi na vida, filho.

Gelo puro desceu por minha garganta e se alojou em meu estômago. Por que ele também não me reconhecia? Seria o Alzheimer chegando à esta idade?

— Já viu esse desgraçado, Charlie? — Perguntou Flinch à senhorazinha apática do 405. Ela negou — Viu? Aposto que ninguém nem neste prédio já te viu antes, garoto.

— Não... Não. Isso não é possível. Eu moro aqui. Eu sempre morei aqui. Com ela! Sarah, pelo amor de Deus! Nós vamos nos casar!

— Eu NUNCA te vi! Nem sei seu nome!

— O que está acontecendo? O que... o que está acontecendo aqui? Por que você não se lembra? — Desesperado, agarrei-a pelo braço — Não lembra de quando te pedi em casamento? Você disse que ninguém tinha feito você se sentir tão especial. Lembra? Lembra?

— Não toca em mim!

— Larga a moça, filho.

Por que vocês estão sofrendo de amnésia coletiva? Você não pode ter me esquecido, Sarah! Aquele apartamento... está cheio de mim!

Eu iria provar pra ela que o que eu dizia era verdade. Eu não era um estranho. Ela havia chorado, sorrido, sofrido por mim. Havia planejado uma vida inteira ao meu lado e agora não se lembrava? Não. Isso não estava certo. Não estava direito. Iria mostrar que eu existia: mostrar as fotos, mostrar minhas coisas. Aí então ela se lembraria. Tudo o que Sarah precisava, em minha mente, era um empurrão. Uma ajuda para se lembrar do meu rosto.

Então a arrastei para longe do velho Flinch e da esclerosada Charlie. Seus pés se enterraram no corredor, resistentes, e Sarah esperneava sob o meu aperto. Cada vez que ela se contorcia para livrar-se de minhas mãos doía; doía em mim de um jeito que eu nunca havia imaginado que pudesse doer. Não era Sarah o problema: era ser esquecido. Era minha vida escorrendo entre meus dedos. E se ninguém se lembrasse? E se a minha existência houvesse sido apagada da face da Terra? Eu seria apenas o fantasma do que fora um dia.

Eu não seria ninguém.

Não andei muito. Um CLAC! atrás de mim me fez parar no lugar.

— Não vou deixar que maltrate essa garota.




— B A T T L E —




— Bater em um velho. Era só o que me faltava. Não tenho tempo pra esses joguinhos. É minha vida aqui!

Mas tirei a pokébola de Froakie do bolso mesmo assim. Sarah aproveitou-se da distração para correr e sumir de nossas vistas, em busca de segurança, em busca de proteção. Eu era uma ameaça agora.

O Mime Jr. do velhote dançava no chão, daquele mesmo jeito afetado que eu me lembrava. O palhacinho trazia no rosto um sorriso brincalhão que eu tinha vontade de arrancar com as unhas. Froakie posicionou-se à batalha, aguardando minhas ordens.

— Comece com Double Team.

Barrier, Mime!

Meu pokémon estava pronto a qualquer comando. Diante do outro, pequenino, nem ao menos hesitou em criar seus clones. Eles giravam e giravam ao redor de Mime Jr., confundindo-o. Qual deles seria o verdadeiro? Os olhinhos ignóbeis do palhacinho tentavam segui-los à procura do real, mas não havia muito que pudesse fazer em sua posição. Assim, criou uma barreira protetora; uma caixa de vidro capaz de protegê-lo dos ataques de Froakie.

Confusion!

Lick! Paralise esse palhaço.

Os olhos de Mime brilharam numa intensa luz branca, atordoante, que prendeu um dos Froakie num encanto cruel. Seus movimentos agora eram totalmente ditados pelo palhacinho que, como mestre de marionetes, manipulava-o ao seu bel prazer. Num impulso o lançou para trás, jogando-o contra a parede, debatendo-se em agonia. A pressão psíquica o apertava e esmagava e o sapo soltava guinchos de dor.

Mas Froakie, o verdadeiro, ainda estava em meio aos clones que cercavam Mime. Ele não havia se ferido nem um pouco. Todos os seus clones, simultâneos, avançaram para o inimigo com as longas línguas estiradas, pendendo fora das bocas naquele tom rosa-chiclete. As lambidas sucessivas enviaram espasmos de pavor espinha acima do palhaço que caiu paralisado, trêmulo, incapaz de se mover.

— Ainda dá tempo de desistir.

— Nunca. Não vou perder para alguém como você. Você consegue sair dessa, Mime! Use Psybeam!

Water Pulse.

Lutando contra a paralisia e contra as dores que o percorriam Mime esforçou-se para atender ao pedido de seu mestre. De seus pequeninos braços surgira um raio que brilhava e mudava de cor, como o espectro da luz sob um prisma. Num disparo, o pokémon foi capaz de acertar todos os clones de Froakie, que se dissiparam como névoa ao sol.

O único corpo que permanecera fora o real. Ao som de minhas ordens ele criara uma esfera de energia entre seus dedos, brilhando e brilhando até crescer e tomar um tamanho ideal. Então, atirara esta energia para Mime e eu a assisti explodir numa onda de água devastadora.

O palhacinho estava, agora, confuso. A explosão o atordoara de um jeito que já não sabia sequer distinguir direita de esquerda, quanto mais amigos de inimigos.

— Só quero conversar com a Sarah, por que tem que interferir nisso?

— Por que você é doido e ela não quer conversar! Tem medo de você! Mime, saia dessa! Use Mimic!

Eu não tive tempo de ditar nenhuma ordem. O pokémon de Flinch, ao ouvir suas palavras, tentou fazer o que lhe fora pedido, mas em sua confusão não conseguiu fazer outra coisa que não disparar um tiro de água que saiu pela culatra: sua esfera de energia explodiu em sua cara, deixando-o fora de combate.

Froakie e eu havíamos vencido. Então por que eu sentia que não havia vitória ali?




— B A T T L E ' s E N D —




— É ele! — O grito estridente fez com que eu me voltasse na direção do som — Ele é o louco que tentou invadir meu apartamento!

Sarah retornara com reforços: o segurança do prédio, Brad, e seu gigantesco Ursaring olhavam para mim furiosos. Meu estômago tornou-se uma massa infeliz só de pensar em como Bradley e eu costumávamos ser amigos, assistindo aos jogos do Red Socks toda sexta e compartilhando cervejas geladas sob o sol de fim de tarde. Agora ele me olhava como se não me reconhecesse. E não reconhecia.

Tentei desfazer todo aquele mal entendido. Tentei gritar que me conheciam, que apenas não se lembravam, mas os dois brutamontes me agarraram e arrastaram pelas escadas e corredores até poderem me jogar de cara no calçamento frio da rua lá fora.

Olhei para cima, desolado. Sarah ainda olhava da janela, mas o que eu via em seus olhos era apenas a promessa de que as fechaduras seriam todas trocadas. Eu nunca mais poderia usar minhas chaves para entrar em minha própria casa.

Agora permaneço aqui, no lugar que uma vez imaginei ser o topo do mundo, tentando encontrar respostas que não estão em lugar nenhum para se achar. Este colégio sempre fora o meu refúgio; não me surpreendi quando me peguei escolhendo vir para cá, dentre todos os lugares. Eu precisava pensar e beber e agora estou muito mais bêbado do que reflexivo.

Um de meus tênis se solta e eu o observo caindo e caindo no que parece uma queda infinita. O Hannover IV sempre teve muitos andares e torrinhas e eu sempre adorei altura. Sempre gostei de me sentar aqui, sobre o telhado do lugar mais alto da cidade, e dormir como quem não tem preocupação nenhuma.

Mas agora eu tinha todas as preocupações possíveis.

— Ligo ou não ligo? Ligo ou não ligo?

Meu sussurro bêbado se perde em meio ao som ululante do vento. Meus cabelos dançam para trás, num balé dourado. E o dedo sobre o botão de chamada finalmente dá o clique decisivo.

Espero. Ouço o telefone chamando e chamando, em toques que não se interrompem. Até desisto de que me atendam: foi uma ideia idiota, afinal. Volto-me para desligar a ligação quando uma voz do outro lado da linha surge exatamente como eu me lembro:

— Alô?

E essa dor louca no meu peito insiste que não há um "querido" no fim da frase.

— Alô, mãe.

Culpe a bebida, mas há uma lágrima solitária escorrendo dos meus olhos. Eu não me esforço para secá-la. Deixo que ela encontre a ponta do meu queixo fino e então seja varrida pelo vento.

— Acho que se enganou de número, querido. — Dói. Dói como uma queimadura — Nós não temos filhos.

O celular desliza das minhas mãos, caindo para a queda eterna que é daqui deste penhasco.

Eu jogo a cabeça para trás e choro. Alto, como uma criança. Soluço enquanto as lágrimas estouram sobre as telhas, sobre meus braços; enquanto o muco escorre do nariz.

Hoje é meu aniversário e de presente eu ganhei ser apagado da mente de todos que um dia conheci.

— Valeu, Deus. Valeu mesmo.

Revejo meus planos e penso mesmo em me jogar daqui.


Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 17:59, editado 1 vez(es)
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[Jornada] - When all is said and done ; Empty Re: [Jornada] - When all is said and done ;

Mensagem por Kaay 19th abril 2014, 10:52


    — Simplesmente não gostei foi entediante do começo ao fim.

    ....

    — Oi? Estávamos falando da jornada do Otcho? A jornada é muito bem escrita, aliás...

    Jornada julgada como Ótima, Move Tutor Water conquistado.

    Comentários: Não se atire [Jornada] - When all is said and done ; 436944524
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Mensagem por Convidado 21st abril 2014, 03:52





it should be clear as fear
and plain as day




as i was walking home; captura de deino
evento de páscoa. tentativa 1/3
be warned!
palavras de baixo calão

No fim eu não me joguei. Dormi no topo dos telhados do colégio quando as lágrimas secaram no meu rosto e a dor de cabeça causada por um nariz constipado foi demais para que eu pudesse aguentar. Uma de minhas malas caiu daquela altura e se estatelou lá embaixo. Eu nunca voltei pra juntar aquelas coisas.

Quando acordei, gelado, não sabia onde estava. Por um momento eu procurei minhas cobertas, meus lençóis. No outro, a realidade me acertou como pancada.

Eu fora esquecido. Nem minha própria mãe sabia quem eu era.

Minha cabeça doía e doía numa ressaca que nunca tive desde quando comecei a beber, aos dezesseis. Eram bumbos de fanfarra que ecoavam em meus ouvidos, pulsando pela caixa craniana conforme as veias estalavam em minha testa. Eu queria morrer. Queria muito morrer, mas sóbrio não tinha coragem de encarar a queda livre. Então desci do telhado do mesmo jeito que subira: escalando pelos muros e através das treliças e cercas-vivas.

Outra vez no chão, procurei pelo tênis perdido. Eu tinha tanto ânimo agora quanto um homem que descobre ter câncer terminal. Já não parecia mais um ser humano; parecia, antes, uma casca vazia de olhos ocos. As olheiras se enterravam no meu rosto e eu sentia minha pele toda macilenta, meus cabelos quebradiços. Não se passara nem um dia, então. Eu ainda estava vivendo o inferno do primeiro dia, sofrendo todo o peso dos meus vinte e oito anos, numa vida fracassada que escorria pelo ralo. Mas era minha vida apesar de tudo e eu tinha todo o direito de me sentir infeliz.

Achei o tênis, calcei-o e deixei todas as minhas coisas para trás. Todas as malas, todas as roupas, todos os pertences que um dia chamei de meus. O Hannover IV, junto da minha existência, ficou para trás e eu vaguei sem rumo por esta cidade que já não me reconhecia.

Agora permaneço aqui diante deste caixa eletrônico que me olha com um monitor apático. Minha testa está encostada na parede a seu lado enquanto fuço na carteira. Onde está a porcaria do cartão de crédito? Tiro bilhetes de cinema, passagens que nunca usei, até mesmo minha identidade e minha certidão de pessoa física. O danado está escapando entre meus dedos, mas minha mente ensandecida e esta dor de cabeça infernal não me permitem pensar ou me ater aos detalhes.

Há um cara bufando em  meu cangote, impaciente. Tenho vontade de mostrar-lhe o dedo e mandar que se foda porque cheguei aqui primeiro e vou tomar o tempo que eu quiser, mas não o faço. Estou muito ocupado procurando o cartão. Ele revira os olhos, bate os pés e todo esse circo está me deixando no limite. Não estou tendo um bom dia. Em fato, é o pior dia de toda minha vida.

Me provoque um pouco mais... É o que penso. Não tenho nada a perder mesmo.

Mas acho o cartão e perco a vontade de brigar antes de perder a cabeça. Enfio-o na máquina.

Após digitar minha senha, escolher a operação e esperar o tempo passar tedioso, os números aparecem na tela. E há um sorriso em meu rosto.

— Como isso é possível?

Minha pergunta é incrédula, mas o sorriso não some; ele continua lá para quem quiser ver. Minha conta bancária, também, continua lá, gorda, para que eu a veja, no nome de Mark Sheppard e nenhum outro. As pessoas me esqueceram, mas o sistema não. Eu ainda tenho conta em banco. Ainda tenho dinheiro, ainda posso fazer movimentações de qualquer natureza. Me afasto da máquina e deixo o boçal que me apressava se divertir com ela.

Disco para a telefonista.

— Informações. — É a voz monótona do outro lado da linha. Peço o número do cartório — Um instante.

Nos infinitos momentos de ansiedade minha chamada é redirecionada e eu espero impaciente ao celular. Acendo um cigarro. A fumaça invadindo meus pulmões me consola.

— Cartório de Lumiose City.

Dou graças aos céus. A haste de nicotina pende entre meus dedos irritados.

— Será que se pode conferir o número de um registro? Apenas me diga se ele existe ou não.

O tabelião diz que sim, é possível. Passo a informação, tendo que pontuar bem que os últimos dois dígitos são 67 e não 77. Grito grande parte do número de série. O homem parece ser um daqueles velhos surdos, que se alojam no trabalho com a coisa pública como carrapatos e nunca mais desgrudam; não ouve uma palavra do que eu digo. Por fim, pede que eu espere. Provavelmente irá procurar naqueles arquivos enfurnados em estantes velhíssimas, carregados de bolor.

Meu estômago ferve, nervoso. Eu sinto a azia acabando comigo, a gastrite me matando. O cigarro volta aos meus lábios. As tragadas me acalmam, embora minhas mãos tremam. O velho retorna e sua voz caquética diz assim:

— O registro que o senhor deseja saber a existência pertence a Mark Sheppard. Há outra informação que deseje?

Não há, mas não é o que digo. Antes, desligo na cara do velho surdo. E eu sorrio: um sorriso de orelha a orelha, um sorriso que me faz andar como quem dança por esta imunda estação de trem.

Eu nunca estive tão feliz só por saber que existo.



[ . . . ]




Mais tarde naquele mesmo dia tive uma ideia louca que tinha tudo para dar errado, como a experiência com Sarah já provara verdadeiro. Mas eu tinha a pequena esperança de que com minha família fosse diferente. Talvez se vissem meu rosto eles pudessem se lembrar de que tinham sim um filho. Um filho que se esforçara a vida toda para atingir os insanos padrões de exigência de seus pais ainda mais loucos. Um filho que esquecera de viver para ser um protótipo de perfeição.

Eles tinham que lembrar de como eu joguei minha vida fora para agradá-los.

Comprei, então, a passagem para Santalune City. Engraçado pensar que antes, neste mesmo dia, eu havia fingido ter viajado para lá. Agora, iria para lá de verdade.

Meu ônibus tinha horário marcado para as dez e meia. Quando cheguei aqui ainda eram oito e quinze. Então, deitei sobre os bancos desta rodoviária gigantesca e esperei. Estou esperando até agora. O relógio na parede marca nove e vinte e cinco. Os rostos raquíticos e cansados que esperam junto a mim estão me deixando deprimido. Resolvo levantar, sair e ir fumar lá fora.

Trago o isqueiro junto ao papel e a chama queima por um instante, fugidia. No outro, fecho a tampa com aquele estalido tão bom de metal em metal. Semicerro os olhos, franzindo as sobrancelhas. As tragadas me invadem de fumaça, que se perde também para o céu e para o frio. O vento canta contra as paredes e eu me aperto mais neste pullover.

Minhas pernas, inquietas, anseiam por movimento. Eu passo, assim, a andar por esta viela escura e suja. É quando ouço o som de algo quebrando, amassando, rasgando e grunhindo.

— Que diabos..?

Esta curiosidade ainda me matará, certeza. Tenho que descobrir de onde o som vem e o que o causa, como se disso dependa a regência de todo o universo. Meus passos são cautelosos. Eu avanço sem fazer barulho, temeroso, mas incapaz de caminhar em outra direção que não aquela.

O barulho é de lixo triturado sob as mandíbulas ferozes de um Deino. Aquela coisinha cega morde e masca e rasga as sacolas, comendo o que há; engole com plástico e tudo, sem nem pensar.

Eu não consigo crer no que vejo. O que um pokémon como aquele está fazendo aqui, de todos os lugares? Roendo lixo, vivendo de sobras? Não é todo dia que alguém se depara com uma criatura tão rara. Eu, certamente, não esperava achar um neste estacionamento fedorento onde o óleo das máquinas velhas cria gordas marcas no chão. O que o teria trazido aqui?

Resolvo chegar mais perto. Vou andando devagar, tentando fazer com que não me note. Tem um apetite e tanto. Mastiga, rói e engole como uma draga. Se o que minha pokédex diz procede, então é melhor eu não entrar em seu caminho. Aqueles dentes podem muito bem parar em mim e acabar comigo.

Assim, próximos, vejo todos os seus machucados. São uns tantos causados por topadas que dera às cegas, mas há outros que não condizem: são o resultado de severas batalhas e treinamentos. Então por que ele está aqui sozinho?

— Alguém te esqueceu, não foi?

Digo e dói. Lembro-me de Sarah e de seu rosto cheio de terror, incapaz de reconhecer alguém com quem prometera passar toda a vida.

O Deino me ouve e volta-se surpreso para mim. Deve ser a primeira vez que escuta a voz de um humano em muito tempo. Esta surpresa, no entanto, não dura o bastante; num outro momento ele resolve que sou um inimigo. Talvez pense que fui eu que sumi com seu treinador. Talvez não acredite que fora deixado para trás, apenas.

Ele joga a cabeça para trás e solta um grito tão agudo e pavoroso que meus ouvidos pulsam e doem. A sensação que tenho é que meu cérebro vira pasta de amendoim e escorre pelas orelhas. Tento impedir os sons com as mãos, mas em vão. Caio para trás, mas sou amparado pela parede. Deino não para. Seus gritos se assemelham ao choro de uma criatura abandonada.

E eu não queria entender como ele se sente, mas entendo.

— Froakie! — Tiro minha pokébola do bolso, materializando o pokémon — Vamos acabar com isso.






— B A T T L E —






Froakie nem bem é lançado ao campo de batalha — aquele horrível recanto sujo, fedendo a lixo e umidade — e o Hyper Voice já fere seus tímpanos. O grito estridente faz com que cambaleie, meio desnorteado, por um momento. No outro, usa de suas bolhas macias para proteger o canal auricular. Ainda assim escuta o que digo:

— Bom trabalho em proteger os ouvidos. — Eu grito por cima do escândalo de Deino.  — Comece com Smokescreen e prossiga com Double Team!

Não quero nenhum bisbilhoteiro de olho neste Deino. É melhor que lutemos sob uma cortina de fumaça.

Froakie me encara, intenso, talvez se perguntando como uma cortina pode ajudar contra um pokémon cego, mas resolve fazer o que digo. Abre sua boca e dela vem uma fumaça gorda, mal cheirosa, que envolve-nos por completo. Estamos agora escondidos nesta barreira que nos oculta nas sombras. Num só movimento Froakie cria cinco clones de si mesmo. As ilusões dançam dentro da fumaça ao redor de um Deino atordoado por sons que vêm de todos os lugares. Os diferentes Froakie riem na surdina, confundindo o dragãozinho. Se antes ele se orientava pelo que ouvia, agora não consegue mais se localizar.

Nervoso, resolve partir para um ataque. Suas poderosas mandíbulas se abrem e revelam dentes afiados, que se enterram na carne de um dos Froakie risonhos, num doloroso Crunch. Ainda rindo, o sapo acertado se dissipa sob seus dentes e se funde à fumaça; dissolvido como névoa ao sol. Deino fica raivoso. Seu corpo todo treme de fúria e, inquieto, ele agita-se de cá para lá à espera de inimigos que não vê.

Quick Attack

Froakie, em meio às suas cópias, salta para Deino em encontrões dolorosos. O acerta com cabeçadas todas as vezes que pula de um lado a outro, protegido pelos clones que entoam coros de riso e zombaria. Ferido, assustado e ficando mais e mais sem opções conforme os segundos escoam Deino apela para um Dragon Breath. Num instante um ciclone de vento plúmbeo o envolve e, no outro, chamas gigantescas irrompem de sua boca aberta; jorram numa torrente de fogo infernal. Os clones e a fumaça se dissipam. Froakie cai a um canto, queimando. Até mesmo minhas calças queimam, chamuscadas até os joelhos.

Hydro Pump!

Meu pokémon se levanta, meio trêmulo, e estufa o peito como se tomasse fôlego. Então dispara um vórtice de água como o estouro de uma represa. A força da corrente atinge o dragão como uma bala, o arrastando até bater com as costas na parede, dolorido. Quando as águas cedem e escoam enfim, Deino cai ao chão, tremendo e ganindo um choro baixo. Derrotado. Infeliz.





— B A T T L E ' s E N D —



Vendo Deino caído daquele jeito patético, sofrendo as dores do abandono e da batalha, eu não posso fazer outra coisa que não a que eu já planejava desde o início: capturá-lo e trazê-lo comigo.

Puxo uma pokébola vazia do bolso e jogo-a para o bichinho desgraçado. Ele é sugado para dentro e apenas a esfera cai, dançando para todos os lados, num último intento de resistir àquela prisão. Mas ela para, por fim: a luz vermelha se apaga numa captura bem feita.

Me aproximo, pego a pokébola nas mãos e sussurro para o compartimento fechado:

— Não sei quem foi o imbecil que te deixou para trás, mas eu não vou fazer o mesmo.

O nada me saúda em resposta. Não importa. A voz eletrônica que anuncia os horários, as partidas e as chegadas irrompe no silêncio anunciando a última chamada para o ônibus de Santalune. Chamo Froakie de volta à sua pokébola, recolho minhas poucas coisas e corro para pegar a condução partindo.



[ . . . ]



Santalune City ainda é como me lembro: um lugarzinho horrível, pacato e sem graça.

O ônibus chegara às quatro da manhã e eu tivera que zanzar sozinho por esta cidade-fantasma, onde os moradores todos jaziam sonolentos dentro de suas casas. Nada como a grande Lumiose que nunca dormia, nada como aquele inferno de luzes e correria e gente. Aqui, os prédios eram poucos e as construçõezinhas maiores se resumiam a sobradinhos e pensões. Uma cidade de um único andar, esta. Vaguei sem rumo, o bolso cheio de dinheiro e o estômago cheio de nada, esperando que algum café ou lanchonete abrisse para eu poder matar esta fome. Parei, finalmente, aqui.

Agora são seis e quarenta, segundo meu relógio de pulso.

Por que eu uso essa coisa, em pleno século XXI? Porque é um ícone de elegância, digamos assim. Não há nada de elegante em consultar as horas num celular ou na pokédex. Mas um relógio de pulso te confere este ar elegante e culto que eu gosto de ter sobre mim.

Ainda estou sentado neste barzinho imundo, olhando para o fundo de um copo tão sujo quanto o ambiente ao redor. Tirei Deino de sua pokébola alguns momentos antes e agora ele me encara no silêncio amargo das vítimas. Ainda deve me ver como um carrasco que o roubara de seu dono. Digo assim:

— Eu nunca conheci seu treinador.

E ele gane como se eu houvesse lhe inferido uma dor física.

— Mas vou cuidar de você a partir de agora. Eu... Eu prometo que você vai ficar bem. E que nós vamos nos dar bem.

Deino me dá as costas, sem se importar. Encara a rua lá fora que ganha vida aos poucos, talvez imaginando se seu treinador virá buscá-lo algum dia. Eu suspiro, cansado. Minha dor de cabeça volta a pulsar nas têmporas.

— Isso é sério?

Ele não me dá nenhum sinal de resposta. Assim, me levanto e fecho a conta. Ponho Deino ao chão, para que caminhe a meu lado e, talvez assim, estabeleçamos algum laço de companheirismo. Imagino que agora não seja a hora de apresentá-lo a Froakie: as memórias da luta e da derrota devem estar nítidas na mente do dragãozinho. Froakie deve ser o último pokémon que Deino quer ver na face da Terra. Em sua mente, a derrota para Froakie marca a separação entre ele e seu antigo treinador.

Deino não parece resistente à mim. Andamos juntos e ele não tenta nenhum ato impensado, como me morder ou fugir. Seu passo é desolado, sua postura é triste e ele anda com o porte dos grandes reis destronados: cabisbaixo, definhante. Me preocupo com este bicho, claro, mas me preocupo mais comigo.

Assim, percorro Santalune refazendo o caminho para a casa de minha infância. Passo pelas ruas sempre iguais: em mais de dez anos nada mudou. As coisas ainda são as mesmas. As lojas, idênticas. Santalune parara no tempo na minha ausência, como que enfeitiçada, esperando-me voltar. Agora que estou aqui eu sinto todo o peso dos anos perdidos, toda a dor da vida que eu deixei para trás e que agora cospe na minha cara.

A casinha vitoriana de meus pais está ali bem adiante, pintada de vermelho-vivo e com cerquinhas brancas ladeando o jardim. As cadeiras de balanço estão imutáveis nas varandas, bem como a mandala pregada junto à porta. A entrada para Lillipup teve de ser alargada quando aquela menina tornou-se uma gigantesca Stoutland. E, por falar nela, vejo-a saindo gorda e preguiçosa pela porta ainda fechada da casa dos Sheppard.

À princípio não me nota e eu não faço questão. Imagino que, se me esquecera, vai começar a latir e avançar como sempre fizera com estranhos que se aproximavam. Ela só fora dada conosco, membros da família. Só permitia que nós lhe fizéssemos carinho e só permitia a mim coçar a parte de trás de suas orelhas.

Heh. Isso é passado agora.

Resolvo ignorar a casa e vou passando pela calçada quando ouço o latido. Mas não é um latido hostil: é um latido que quer chamar minha atenção. Viro-me e esta giganta vem correndo para mim, língua de fora, pêlo ao vento, e ela salta. As patas acertam meu peito numa pancada e eu tenho que me segurar para não cair. E para não rir. Ela me lambe o rosto, feliz, animada; como se nada houvesse mudado.

— Lilly, pare com isso!

Mas rio. Coço atrás de suas orelhas e ela se refestela com o carinho.

Ela não me esqueceu.



[ . . . ]



Não pude cumprimentar meus pais, bem no fim. A coragem me faltou no último instante, quando minha mão erguida e fechada em punho já se preparava para bater à porta. Eu não bati. Covarde, desci a escada correndo. Lilly tentou me seguir, mas eu a espantei de volta pra casa. A Stoutland, triste, voltou para a varanda e deitou-se ali, me assistindo até que sumisse de vista.

Eu caminhei sem rumo. Deino, a meu lado, era uma companhia depressiva. Me sentia mal andando com aquele bicho e o silêncio todo estava me dando nos nervos.

Não havia nada que eu pudesse fazer.

Inconscientemente, refiz meu caminho aos lugares que um dia conheci e que um dia foram meus preferidos em toda a cidade. Ao fliperama Winged, que mudara de dono e agora se chamava Gigabite. À sorveteria da Molly, pitoresca nessa cidadezinha de merda. E à Escola Elementar de Santalune.

É aqui que estou: parado diante destes portões velhos como o tempo. O prédio é igualzinho a como era no meu tempo de estudante. Nem mesmo a cor nas paredes mudou.

— Isso é tão bizarro.

Minhas mãos encontram o metal frio e eu abro o portão, me sentindo de novo um garotinho pedindo permissão porque chegara atrasado. Hoje é um dia letivo e as crianças correm pelo lado de dentro, ansiosas por chegarem a suas salas. As classes vão pouco a pouco se enchendo e eu assisto as professoras cansadas e seu alunado pelas janelas. Minhas mãos se enterram no fundo dos meus bolsos e ficam lá, inertes. Eu ando pelo exterior do prédio.

Essa calmaria sempre igual me joga de volta ao passado, ao tempo em que eu matava aulas só para deitar aqui na grama e olhar as nuvens passando brancas e inalcançáveis no céu. Apenas algumas classes me eram sagradas. As de Ciências, a saber. Não havia lugar que eu amasse mais que o prédio do departamento de Biologia, permanecendo soberano em meio à construção amarga da Elementar.

Ele fica longe dos outros blocos. É uma das poucas partes da escola que tem mais de um andar e um reduto subterrâneo. O laboratório em si não é dos mais aparelhados, mas as estantes estão cheias de compostos e soluções e se é possível fazer uma infinidade de experimentos ali e observá-los ao microscópio. O andar de cima é lar da biblioteca da escola e o porão não passa de um quartinho da bagunça, aninhando todo tipo de tralha que os professores e os alunos não usem mais. Mas eu gosto dali. Confesso que minha vida escolar talvez tenha se limitado somente àquelas paredes.

Então não é surpresa quando me pego andando para lá. O que me surpreende é que eu não sou o único a gostar do cheiro de formaldeído e do formigamento nas mãos ao manusear compostos sem luvas de segurança. Há outro alguém ali.

Um garotinho. Eu o vejo à distância no laboratório, pelas janelas, quando me aproximo do prédio. É possível ver o interior de muito longe mesmo. Ele está brincando com tubos de ensaio e béqueres e isso me faz sorrir. Lembro-me de quando era eu acabando com o laboratório, explodindo as coisas...

O sorriso some do meu rosto. Não tem ninguém supervisionando esta criança?

Primeiro o som. Depois o clarão.

O som é o de um trovão, ecoando pela Elementar inteira para quem quiser ouvir. O clarão cega meus olhos, mesmo daquela distância absurda em que estou. Quando eu consigo enxergar outra vez, o que vejo é o prédio caindo.

— Put'a que o pariu!

Livros chamuscados voam do andar de cima, chovendo ao redor do prédio em ruínas. Não consigo ver o lado de dentro: há uma fumaça cinza encobrindo todas as coisas. As janelas, estilhaçadas, jazem em milhões de cacos brilhantes pelo chão.

— A criança!

A explosão já está atraindo curiosos. São os professores, confusos e preocupados. Outros alunos, fervilhando de excitação. E, também, passantes que resolveram ver qual era a do momento. Eu fui o único a ver o que realmente aconteceu. Só eu sei que há um menino no prédio, sob os escombros, ferido ou morto. Se ele misturou alguma coisa tóxica, a fumaça vai se encarregar de matá-lo. Se ele brincava com nitroglicerina, meus pêsames sinceros aos parentes. Mas há a dúvida. A dúvida é o que me faz correr desesperado para lá.

— Vem Deino! — O bicho já não parece mais o apático dragão abandonado. Ele encontrou forças na esperança de ajudar alguém — Vou precisar de tudo o que você puder fazer.

Ele me entende. Eu sei que entende.

Tiro meu pullover e amarro a blusa ao redor do meu rosto, para que não inale tanta fumaça. Deino corre imponente ao meu lado, guiando-se pelos sons que eu faço a todo momento: um estalar de dedos, uma batida nas pernas. Sei que ele não é um farejador como Lilly, mas ele vai poder ajudar a achar o menino perdido.

— Vamos entrar — Uma passagem obstruída me detém Body Slam!

Deino concorda. Salta no ar e, com toda força que consegue reunir, se arremessa contra a porta emperrada, presa sob os escombros. A batida é forte o bastante para que eu veja o caminho livre outra vez. Não há hesitação no modo como eu corro para dentro do laboratório em chamas.

Os fogareiros e compostos inflamáveis entraram todos numa reação em cadeia simultânea à explosão. Agora, explosões menores ocorrem a todo instante. São soluções à base de carbono e hidrogênio que principiam um incêndio. As chamas lambema construção, consomem tudo o que se pode queimar e rareiam o ar cada vez mais.

— Froakie! — Num estouro de pokébola o sapo está ali — Preciso que apague o fogo. Use Hydro Pump em tudo o que queimar.

O sapo, incumbido desta missão, bate continência. A água estoura de sua boca numa cascata, lavando as chamas e as ruínas. Eu e Deino procuraremos a criança.

— Ei! — Grito — Se você estiver consciente, diga alguma coisa!

Não tenho esperanças de que o menino responda. Não tenho esperanças sequer de que esteja vivo. Estou entrando em pânico. Santo Deus, estou entrando em pânico! Minhas mãos suam frio, meu corpo treme e eu tenho medo de ficar ali e encontrar um menino morto.

Deino é quem reganha o controle da situação.

Enquanto eu luto com a minha mente meu pokémon não perde tempo: ele segue um som ínfimo que vem por baixo de toda agonia das explosões, dos jatos de água de Froakie e das pessoas desesperadas lá fora. É um som tão pequeno... tão fugidio e fraco que eu não percebo, mas Deino sim. Seus olhos cegos fizeram-no focar todo o seu esforço em reconhecer sons. Suas orelhas são afiadíssimas: reconheceriam o cair das folhas no outono ou os passos de uma lebre sobre a neve. Assim, ele sai de perto de mim numa correria louca. Quando eu o vejo correr desperto de meu transe de terror.

— Deino!

Corro atrás dele. Ele salta por cima das mesas caídas, dos computadores quebrados e avança com um foco que eu nunca vira um pokémon ter. Atrás dele, esforço-me por segui-lo. Deino encontra um buraco no chão que eu antes não havia visto. É algo que passaria despercebido a qualquer um, no meio da confusão que é este cenário de tragédia. O buraco é pequeno, mas grande o bastante para que uma criança escorregasse por ele. Deino o circunda como um cão furioso, ansiando por entrar ali e resgatar o menino.

— Vá lá pra dentro e veja se ele está bem.

Não preciso falar duas vezes. O dragão salta para dentro do buraco e eu o ouço cair no chão empoeirado da sala lá debaixo. É escuro e eu não consigo ver o que ele faz, nem o menino, mas ouço seu rugido doído que me diz que o garoto provavelmente não está bem. Eu estou ficando sem tempo aqui.

Corro pelo que sobrou do laboratório, procurando o lugar exato das escadas que levam ao porão. Era para a esquerda... Minha memória não pode começar a falhar agora. Eu as encontro, mas meu caminho está de novo bloqueado e agora não tenho forças para remover este armário sozinho.

— Pelo amor de Deus! — Esmurro a madeira, sentindo minha mão arder — Deino! Explode a porta!

Meu grito ecoa pelo laboratório e, por um instante, acho que ninguém me ouviu. Fico ali, infeliz, olhando o armário que tranca a passagem e que me impede de resgatar o menino ferido. Ele vai morrer sem ajuda. Ele deve estar sofrendo tanto...

A porta e o armário parecem murchar agora... murchar... Murchar? Calor!

Só tenho um segundo para sair da frente antes que o armário exploda em pedaços e lascas que voam para todos os lugares. É por muito pouco que eu não sou acertado também. Caio para um lado de mal jeito e sinto os ossos do meu braço estalando. O grito que dou e a dor que tenho ao movê-lo me provam que está quebrado.

— Eu mereço isso? — Choramingo. Deino surge de trás da porta, salta, e vem me arrastar. — Eu já vou, campeão.

Levanto, muito decidido a ignorar a dor e a quebradura. Como vou carregar a criança com um braço só? Quase choro diante do meu infortúnio, mas tenho coisas mais importantes a fazer. Desço as escadas correndo.

O menino está lá. Preso sob uma viga, o rosto queimado, o sangue escorrendo da testa ao queixo, mas lá. E acordado. E vivo. E bem, na medida do possível. Ele mal pode se mexer ou falar, mas meu alívio é tão grande que eu quase rio. Quase choro. Quase enlouqueço.

— Vou tirar você daqui.

Fácil falar. Mas como vou mover a viga?

— Quebre a madeira com seu Crunch.

Deino corre de volta ao menino e abre a bocarra o máximo que pode. Seus dentes afiados e resistentes se enterram na madeira e mascam. Mascam pelo que parece uma eternidade. A viga estoura sob os dentes do pokémon, cedendo. A pressão diminui sobre o menino e eu posso ver como ele respira melhor agora.

Me achego junto a ele e tento movê-lo. Nada me impede de tirá-lo daqui agora. Nada, além do meu braço quebrado. A frustração sobe meu corpo e acaba em meus olhos, queimando em lágrimas de fracasso. Deino tenta me consolar, a cabeça empurrando-me gentil. Eu faço um carinho nele, tentado a me perder neste momento. No outro, seco o rosto com as costas da mão.

— Que se foda. Cheguei tão longe, não vou deixar você morrer aqui.

Pego o menino do jeito que dá, numa confusão atrapalhada de um braço só. Ele geme, sofrendo dores, mas antes isso do que ser enterrado neste porão horrível. Passo-o por cima do meu ombro e me surpreendo quando ele não pesa quase nada. Me ergo. Tento segurá-lo o melhor que posso ao refazer o caminho para a superfície.

Encontro o laboratório arruinado, mas nenhum sinal de incêndio. Meu Froakie lidou muito bem com as chamas e agora permanece preocupado sobre uma das mesas quebradas. Ele me olha com olhos cheios de pavor e salta para mim, se alojando no ombro oposto ao do garoto. Em minha mente eu o agradeço. Sua companhia me acalma. Deino corre ao meu lado, desesperado por saber o desfecho daquele resgate.

Saio para o dia lá fora.

As poucas pessoas que antes se aglomeravam ali agora formam uma multidão. São rostos apreensivos, ansiosos. Alguém havia chamado os bombeiros. Os paramédicos esperam do lado de fora. Um dos homens vestidos num uniforme branco corre para mim e toma o menino dos meus braços. É seu crachá que o identifica como enfermeiro quem me assegura que vai ficar tudo bem. Mas e eu, ficarei bem? Inalei tanta, tanta fumaça...

Os sentidos se apagam como lâmpadas quando acerto o chão, num desmaio.


Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 21:08, editado 1 vez(es)
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Mensagem por BellWolf 21st abril 2014, 08:08


Avaliação
Vamos ver como você se saiu!



O que posso dizer de sua captura, Nes? Foi simplesmente ótima, beirando a perfeição. Houveram sim erros de digitação e de colocação de vírgulas, porém nada que atrapalhasse sua nota. Adorei a forma como você narra e a resolução do problema. Enfim, parabéns.

Captura julgada como Ótima. Held Item: Dragon Fang

Posui oportunidade de mais uma captura, não podendo essa ser de fusão: shiny + raro nem shiny + pseudo.


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Mensagem por Convidado 21st abril 2014, 20:37





i need you to hear me
i want to feel this




hero of the day; captura de skorupi
evento de páscoa. tentativa 2/3 2/2

be warned! palavras de baixo calão




Eu acordo no hospital. A primeira coisa que quero saber quando interpelo a enfermeira é, claro, o estado da criança e quanto tempo fiquei desacordado. A moça sorri, ajeitando meu soro, e diz que a criança passa bem, mas não tem os detalhes. Quanto à duração do meu desmaio ela garante que não foi muito, mas prefere não falar em horas. Resolvo não ligar. Se ela quer me poupar desta informação, que seja.

Por um instante esqueço a condição do meu braço — quebrado, roxo e dolorido — e o mexo de um jeito descuidado. Dói como o próprio inferno. Há um gesso em torno dele agora, mas ainda dói. Grunho de dor.

— Não se mexa! — Grita a enfermeira que corre para mim — Soltou seu soro, vê?

Olho para o outro braço só para perceber a gota de sangue se formando, gorda como uma moeda, bem onde o encaixe se soltara. O líquido, soro fisiológico embebido em medicação, pulsa para o nada antes da enfermeira enfiar a agulha em mim outra vez. Vejo-o pingar e pingar, lento como as areias de uma ampulheta. A moça se afasta de mim, consternada.

— Se continuar assim vou ter que te pôr uma tala, como fazemos com as crianças pequenas! Então se comporte!

Penso que se vai ser ela a me disciplinar eu bem que não ligo.

A enfermeira é bonita: tem um rosto em forma de coração, com bochechinhas cheias moldadas em covinhas. Os olhos miúdos, claros, brilham quando sorri e os cabelos são longos e pretos, dançando conforme ela anda. É baixa,  sim, mas nunca fui fã das muito altas. Imagino qual história colará com esta para deixá-la desejosa de conhecer um quarto meu que não seja de hospital. Até abro a boca para contar uma mentira, mas a moça me interrompe:

— Há alguém que quer vê-lo.

Minhas esperanças estão todas aqui outra vez, pondo minhas orelhas em riste.

— Quem?

— O pai do menino.

Elas morrem tão logo nascem e eu murcho em meu leito.

— Ah — Em algum lugar da minha mente esperava que fossem meus pais. Ou Sarah — Mande entrar.

A enfermeira sai e eu a escuto conversando com alguém no corredor. Certo. Provavelmente é um quarentão enfezado que virá me agradecer, constrangido, por ser esta sua obrigação cívica. Eu reviro meus olhos, ansioso para que o homem entre e saia depressa. Agora que a bonita moça foi embora eu não tenho motivos para permanecer acordado. A superdosagem de analgésicos está me deixando sonolento, também, e eu sinto as pálpebras pesadas. Meus olhos fecham e eu resolvo esperar ressonando num ritmo de quase sono.

— Mark Sheppard?

Abro os olhos no susto. Eu reconheceria aquela voz até no inferno, se preciso fosse, e estou caindo num túnel do tempo rápido, rápido... Alguém tem que me fazer parar!

A enfermeira bonita é totalmente varrida dos meus pensamentos diante deste rosto que me olha. É uma face sardenta. Os cabelos curtos são iguais aos que me lembro e igual, também, é o sorriso incerto naqueles lábios quebradiços.

É um rosto tão comum, tão insosso... Então por que eu não consigo pensar em outra coisa? Tento evocar a lembrança de Sarah, mas não sei mais como ela se parece. Era loira? Morena? Seus olhos tinham mesmo que cor? Não sei sequer como era o rosto da enfermeira que acabou de sair, quanto mais de Sarah, tão longe agora.

Minha mente está inundada de Peter Howard, o garoto sardento, vítima número um dos bulliers do colégio. E das memórias.

— S-sou eu. — Gaguejo. Patético.

— Eu queria agradecer. Por ter salvado Jake.

Jake? Ah, a criança! Então lembro do que a enfermeira disse. O pai do menino era quem queria ver-me. Isso significa que Peter havia se casado?

Espera, Peter Howard tem um filho?

— Você... — Um pigarro para limpar a garganta — Me parece meio novo para ser pai.

E é a vez dele de ficar desconcertado.

— Huh? Não! Eu não sou pai. Todos confundem e acham que Jake é meu, mas ele é só meu irmãozinho.

De todas as coisas do mundo, por que estou sentindo alívio?

O silêncio desce sobre nós, constrangedor. Peter não sabe mais nem pra onde olhar, nem o que fazer com as mãos. Eu o encaro, imaginando como uma pessoa pode ter mudado tão pouco em tanto tempo.  

— E por que confundem? — Digo, depois da eternidade ter dado duas voltas completas.

— Porque eu ajo como se fosse. Desde que nosso pai morreu, isso é. Faz sete anos. Jake ainda era muito novo pra lembrar e... eu tenho o criado desde então.

O Senhor Howard havia morrido? Tenho que impedir meu queixo de cair. Digo assim:

— Deve ser difícil pra você.

E ele ri como quem coloca o assunto de lado.

— Difícil é, mas ele é minha única família.

— E a mãe do menino?

Quase mordo a língua ao perceber meu deslize. Não pergunto a mãe de vocês, porque sabia que a de Peter o havia abandonado assim que dera à luz. Por sorte Howard não percebe; ele continua mexendo inquieto com as mãos.

— Era uma vagabunda e meu pai preferiu que ela ficasse longe do Jake. — Não está exatamente feliz por falar disso — Eu não confiaria nela pra ficar com o meu irmão. E agora... Agora isso...

Uma sombra, escura e fria como a morte, recobre o rosto de Peter e lá fica. Seus olhos, antes brilhantes e verdadeiros, estão vazios. Vazios como os meus. O que está acontecendo? Esse não é o Howard que eu conheço.

— Isso o quê? — Pressiono, mas Peter não quer falar.

— Nada.

Silêncio pontuado de nervosismo.

— Como está Jake?

— Bem. — Há alívio em sua postura — Os médicos disseram que o pior fora a pressão sobre a caixa torácica e a fumaça inalada. Se você não tivesse chegado, ele teria sufocado até a morte. — Ele treme sob um arrepio — A perda de sangue não era tão grave quanto parecia, graças a Deus, e ele só ficou com queimaduras de primeiro grau e uma torção no tornozelo.

— Que sortudo...

— Sim... — Os olhos de Peter se perdem, como quem procura algo na memória. Então, ele ri.

Pergunto o que é e ele diz que nada demais.

— É só que... Quando eu estudava, um garoto explodiu o laboratório também.

Engulo em seco. Eu lembro bem dessa história. Deus, fora eu a explodir o laboratório. E não só uma vez! Peter... Peter lembrava?

— Eu lembro de ter pensado: ei, esse cara deve ser o garoto mais legal do planeta!Ri, mas eu não o acompanho. Estou preocupado demais juntando as peças — Imagino se vão achar Jake legal agora, também.

— É...

O silêncio volta, dessa vez pra ficar. Peter resolve, então, que é hora de ir embora.

— Eu já te perturbei demais, vou deixar que descanse — Ele faz meia-volta e tenho que me conter pra não pedir que fique — Ah! Antes que eu me esqueça...

Um cartão surge entre aqueles dedos magros. Ele o estende para mim e eu tomo o dito cujo em minhas mãos. Diz Heads or Tails — Restaurante e Lanchonete. O nome quase me faz rir.

— É onde eu trabalho. — O sorriso volta, mas os olhos ainda estão vazios. — Apareça por lá pra eu poder te pagar alguma coisa. Sabe, o que quiser, por conta da casa. Como agradecimento.

Eu aceito, mas não pela comida. Peter sorri e eu tenho ganas de levantar daqui e ir até lá dar-lhe um tapa nas costas ou coisa assim. Mas o soro provavelmente se soltaria, então afundo neste leito infeliz. Ele acena uma despedida, eu também me despeço e, quando ele sai pela porta, tudo o que consigo fazer é rememorar. Me afogar nas lembranças de uma vida que já não tenho, lembrando de coisas que eu pensava ter apagado por completo.

E pela primeira vez desde que isso começou fico feliz por alguém ter me esquecido.




[ . . . ]




Meu passado com Howard é complicado: não vamos falar disso agora. Vamos, antes, falar sobre as semanas que se seguiram à minha saída do hospital.

Eu fui ao Heads or Tails como planejara durante toda minha estada bebendo sopa sem sal. Meu braço estava preso sob uma tipoia e devia estar mesmo muito engraçado, vestindo as mesmas roupas de sempre, mas lá estava eu, sentado numa das mesas, esperando que alguém me atendesse.

Foi Peter quem veio tomar meu pedido.

— Fico feliz que tenha vindo. — Num sorriso de dentes brancos — O que vai ser?

— Hmm. A sua companhia nessa mesa, eu acho.

Ele riu. Do fundo do peito, numa risada que estourou no ar.

— E uma porção de bife com batata frita, pra completar. Mal passado, quase sangrando. As batatas podem vir com ketchup que eu não ligo. E... soda limonada. Nada vai melhor com bife e fritas do que soda limonada.

O queixo dele cai, surpreso. Vejo a mão dele vacilar sobre a caneta.

Eu, também, fizera de propósito: nada daquilo era o que eu gostava de comer. Cada uma daquelas coisas era o que Howard sempre pedia e dizia quando saíamos com os amigos pra forrar o estômago depois da escola ou das atividades de clubes. Era seu prato preferido. Bife, batata fritas e aquele refrigerante horrível.

— Certo... Eu acho. — Riu, meio sem jeito. — Posso te fazer uma pergunta, Sheppard?

— Todas — Muito solícito. Hah.

— Já nos conhecemos?

Minha vez de rir. Tive que dizer que essa possibilidade era loucura. Porque, vejam bem, eu nem dali era!

Nunca menti tanto em toda minha vida, mas todas aquelas mentiras tinham um bom motivo. Se alguém fosse se lembrar de mim, esperava que essa pessoa não fosse Peter Howard. Ele podia muito bem passar o resto da vida na ignorância e eu seria feliz. Eu seria muito, muito feliz.

Peter pareceu se convencer, anotou meu pedido e sumiu por onde viera. Quando voltou com o prato, sentou-se sim à minha mesa.

E conversamos.

Conversamos naquele dia, em muitos outros, durante todas as semanas. Tomava meu café da manhã ali e almoçava, na maior parte das vezes. Alguns dos jantares, em algumas noites, fazia no Heads or Tails também. Nós sempre conversávamos, jogando papo fora. Descobri, então, muito sobre como as coisas ficaram depois que fui embora.

Uma dessas coisas era sobre o restaurante, por exemplo. Howard não trabalhava nele. Era dono dele. A comida era boa, mas devo admitir que já provei melhores. O lugar era decadente, tinha tudo pra dar errado, mas Peter o tocava pelo bem de Jake. Ele havia herdado esta coisa do velho Jeremy Howard, que morrera sete anos antes, vítima da cirrose. Desde então, as coisas iam de mal a pior.

— Não sei administrar nada... — Confessou para mim, certa feita — O Heads me dá mais prejuízo do que dinheiro. Se eu pudesse... eu largava tudo e voltava pra faculdade. Mas não posso. Tem o Jake e...

Eu nunca ouvi tanto sobre outra pessoa como ouvi sobre Peter Howard naquelas poucas semanas que passei em Santalune. Eu estava vivendo num hotel decrépito, pagando uma estada barata por não saber quanto tempo precisaria ficar na cidade, nem quanto tempo meu dinheiro duraria. Tinha, então, uma boa reserva, mas nada dura pra sempre: uma hora eu estaria na miséria. Assim, optei por um dos lugares mais baratos deste fim de mundo. Mas a comida que eu pagava no Heads era cara como a morte.

Sempre que passava lá aprendia algo novo sobre o cara que fora meu melhor amigo durante toda a escola elementar e colegial. Ele cursara Direito um tempo, antes do pai morrer e ter de assumir os negócios da família. Namorara com duas ou três pessoas durante toda a vida. Não torcia mais para o New York Yankees; depois de uma decepção das grandes, resolvera aderir ao Red Socks. Com essa notícia eu vibrei. Pelo menos aos jogos poderíamos assistir agora, sem querer voar no pescoço um do outro.

Mas o melhor foi descobrir o motivo da sombra que perseguia Peter e que o tornava tão igual a mim: vivendo um dia após o outro, um dia após o outro sem desejar seguir em frente, mas sem escolha.

— Não tenho a guarda do Jake — Ele me segredou certa hora — Quem tem é a vaca da mãe dele. Os Purrloin dela já morrem de fome, Cristo! Imagina o que seria do meu irmão morando com ela? Mas ela o quer. Vive me atormentando, ameaçando tirá-lo de mim... Pede dinheiro, sabe? E que escolha eu tenho, me diz? Pago a ela para que me deixe em paz. Mas ela sempre quer mais e eu... Ah! Eu não aguento.

Ele desabou sobre os braços, o rosto oculto para que eu não o visse quebrar. Éramos amigos agora? Confortei-o com uma mão em seu ombro. Disse que as coisas ficariam bem.

— Não, não vão ficar. Toda vez ela ameaça chamar a porr'a do juizado. Ela diz que eu não tenho nem como pagar minhas contas, quanto mais sustentar uma criança... como se ela fosse muito melhor do que eu! Dependo do restaurante, é verdade. Uns meses são bons, outros são ruins. Mas e ela? Ela depende da porcaria do dinheiro que os namorados lhe dão. E isso é vida? Isso é estável?

Cometi a burrada de dizer:

— Seu pai nunca soube escolher.

E ele me olhou, estupefato.

— Que quer dizer?

— Ah... — Reticências, reticências — Sua mãe, pra começar?

Peter chacoalhou a cabeça, as sobrancelhas franzidas.

— Quando foi que falei da minha mãe?

— Na-não falou. — Que beleza, Mark — Mas Jake comentou comigo.

Essa podia colar. Eu e o menino havíamos nos tornado grandes amigos depois que eu o ensinara umas tantas coisas sobre Biologia e Química Orgânica. Peter ainda não parecia convencido, mas resolveu engolir essa.

— Depois do acidente do Jake ela tem todo o direito de dizer o que quiser.

À ocasião, eu queria poder ajudar. Ainda quero. É sobre isso que penso enquanto desço essa alameda alquebrada que leva ao prédio falido onde estou vivendo. Há um playground no caminho: um lugarzinho que parece saído de um filme de terror barato. Os balanços, enferrujados, agonizam quando alguém tenta montá-los ou quando o vento zanza por eles. As gangorras estão quebradas, os gira-giras são tortos e os túneis escondem ratazanas e lixo. Mas é um bom lugar para refletir e é para lá que vou quando Howard me conta coisas que me deixam pensativo.

Meus pés afundam na areia escura enquanto faço meu caminho para o balanço. Vou andando, alienado, pensando naqueles olhos fundos e tristes que só parecem conhecer dor no mundo. E eu achava minha vida ruim. Todos os meus problemas fora eu mesmo a causar, mas Howard... Howard sempre fora vítima. Eu tinha tanta culpa quanto qualquer um.

Piso em alguma coisa.

Tenho certeza de que piso em alguma coisa. Meu pé não afunda, não consigo seguir meu caminho e, no instante seguinte, levo uma ferroada na canela. Urro de dor.

— Meu Deus!

Saio saltando, puxando a barra da calça para ver o estrago. O lugar picado está arroxeando e o exato ponto de encontro sangra, escorrendo num único filete vermelho até empapar minha meia. O que me atacara? Olho para trás.

Sacudindo a areia que o recobria está um Skorupi. Ele não parece feliz, agora que pisei nele. Estala as garras umas nas outras, num clac, clac sem fim. Está me desafiando a chegar mais perto e descobrir quão doce deve ser seu veneno.

Estou envenenado? Minha mente começa a trabalhar com a velocidade de um trem-bala. Eu tenho que correr. Preciso achar ajuda. No entanto, quando me viro para dar no pé, o bicho me persegue e me ataca com seu ferrão. Pulo para trás para evitar ser pego por mais aquele ataque. O ferrão de Skorupi se enterra na areia, mas ele se recupera e volta a tentar me atacar.

Puxo uma de minhas pokébolas e liberto Houndour. Ela cai para a areia, pousando macia sobre o chão, uivando num longo Howl. Parece feliz por eu tê-la escolhido. Esta menina era de um estranho amigo meu; um cara conhecido como Tecnoman. Ele não era um tipo muito sociável, a saber, não tinha tato nenhum com as pessoas, mas conseguia ser engraçado quando não dizia nenhuma besteira. Houndour, antes sua, passara para minhas mãos por conta de uma aposta. Uma aposta boba, feita no colegial. Meu rosto desmoronou ao pensar que nem mesmo esse amigo chegado iria lembrar-se de mim se me visse.

— Acaba com essa coisa, sua linda.





— B A T T L E —




Houndour está mais do que feliz em obedecer. Seu uivo a deixou mais determinada e forte e ela passa a pata no chão, levando areia para trás. Skorupi, à sua frente, estica suas garras num Hone Claws que brilha por um momento, recobrindo-as da base à ponta com uma camada mais densa que as tornará mais resistentes. A parte de baixo, cortante, torna-se ainda mais letal.

— Use Ember! Toste esse escorpiãozinho.

Minha menina abre sua boca e cospe bolas de fogo para cima daquele Skorupi arrogante. O bicho, no entanto, é esperto: enterra-se na areia, deslizando por baixo daquela proteção, incapaz de ser acertado. Houndour, perdida, ataca com fogo para todos os lados. Não é o bastante. Skorupi salta de baixo da areia, emergindo à superfície, atacando-a com um Poison Sting. Os espinhos venenosos se cravam sobre a pele de Houndour, mas ela não parece sofrer envenenamento ainda.

Feint Attack!

Skorupi não quer perder tempo. Ele se aproveita da agilidade que a areia lhe proporciona para vir para cima da minha pokémon com as garras brilhando, ansiosas por executar um Night Slash. Minha Houndour avança para ele com tudo o que tem. No momento exato que o selvagem a ataca ela recua. Skorupi acerta apenas o ar, crente de que Houndour vinha de encontro às suas garras letais. Agora sim, Houndour toma impulsão e o atinge num ataque perfeito. O Feint Attack o joga para longe, para perto dos balanços onde antes eu quisera me sentar.

— Agora, Houndour! Flamethrower!

Uma torrente de fogo como a erupção de um vulcão estoura da boca de Houndour na direção do Skorupi caído. Pressentindo o calor e a destruição, o bicho se enterra na areia outra vez e evita o ataque. As chamas não o encostam, sequer o chamuscam, e Houndour gane em frustração.

Ele desliza por dentro daquele campo que lhe é perfeito, então surge de novo com um ataque devastador. Desta vez é um Venoshock. Um rio de gosma tóxica é vomitado de sua boca aberta, acertando Houndour, que cai enfraquecida. Ela treme ao tentar pôr-se em pé.

— Não queria usar isso, mas provavelmente é nossa única chance. Fire Fang!

As presas de Houndour são revestidas por chamas, queimando num fogo ardente. Ela corre para Skorupi e se atraca com o bicho, enfiando seus dentes fervendo na pele grossa do pokémon. Ele gane, mas Houndour também não sai ilesa: morder um ser venenoso nunca é uma boa ideia. Ela está tremendo. Posso ver daqui como seu rosto está afogueado, como se sentisse febres. Skorupi tenta mordê-la, também, com seu Bite. Ficam assim, um mordendo o outro, lutando para ver quem desistirá primeiro.

— Mais uma vez! Fire Fang!

Houndour solta Skorupi por um segundo e um segundo apenas. No outro, suas presas quentes se enterram no bicho que cai, meio grogue, no chão. Ele ainda tenta reagir, suas garras acertando a esmo, mas não parece mais capaz de distinguir onde está. Retorno Houndour à sua pokébola e fico encarando o pokémon caído com até certa pena. Ele só me atacara porque eu o atacara primeiro.





— B A T T L E ' s E N D —





Pego uma das minhas pokébolas vazias e a jogo para ele. Skorupi é sugado para aquele compartimento pequeno, aprisionado lá dentro, capturado. Aproximo-me e recolho a pokébola.

— Não foi por mal.

Agora tenho que tratar desta ferida e do veneno. Não quero acabar aqui, sozinho e desmaiado no meio do nada.




[ . . . ]




Vim à casa dos Howard a pedido de Jake. Ele dissera que tinha um novo videogame. Peter estivera juntando dinheiro o verão inteiro para comprar um console àquela criança e Jake agora queria mostrar todos os jogos que tinha para mim. À princípio eu dissera que não podia ir por estar ocupado procurando um emprego. Mas aí ele alegara que eu estava é com medo de perder para ele no Rock Band e isto era calúnia. Eu não podia deixar por isso mesmo.

Então, quando chego aqui diante desta casinha do subúrbio, é com surpresa que vejo Jake sentado na escada chorando. Ele devia estar feliz, afinal tem um videogame novinho em folha. Resolvo perguntar o que aconteceu:

— Ei... Ei, campeão, que diabos..? — Minha fala é o cúmulo da eloquência. Uma de minhas mãos aperta seu ombro.

— É-é minha mãe. Ela quer me tirar do Peeta!

Os soluços dessa criança só aumentam de volume. Eu tento dizer que vai ficar tudo bem, mas porr'a, o que eu sei sobre o que eles estão passando? Me sinto um idiota. Um cretino. Eu volto depois de tanto tempo e encontro meu melhor amigo assim. Onde estive durante todos esses anos que não o ajudei? Preocupado demais com meu umbigo, parece.

— Onde ele está?

— Conversando com ela lá nos fundos...

Deixo Jake para trás. O garoto funga e chora e o muco escorre de seu nariz entupido. O desespero dele me persegue enquanto dou a volta na casa para encontrar Peter discutindo em alto e bom som com uma mulher. E Deus me amaldiçoe se ela não é uma pirvinha.

Tem um longo cabelo ondulado, loiro-oxigenado, daqueles de farmácia. As pulseiras douradas tintilam em seus braços, as unhas longas poderiam muito bem matar alguém, e ela usa uma daquelas calças coladas com estampa de tigresa. Fala alto, num tom estridente, e eu não gosto do jeito como ela balança aquele indicador sob o nariz de Howard. Ele grita, também, mas estamos falando aqui do garoto que nunca soube lutar as próprias batalhas. Ele não sabe como se defender. E ela o ameaça:

— Deixou meu filho se machucar! Não tem dinheiro nem pra comer, quanto mais pra manter um restaurante e agora quer me dizer que quer ficar com ele? Você é um fracassado como seu pai!

Eu vejo como aquelas palavras machucam Peter. Vejo como ele está perdendo a vontade de continuar discutindo, se é que já não perdeu por completo. Se ainda permanece ali é porque não pode abrir mão de Jake. Não pode deixá-lo com esta bruxa.

Resolvo me intrometer:

— Tão fracassado era o pai dele que tu dormiu com ele, né, ô piranha? Achou que ele era rico? Tentou dar o golpe da barriga?

Ela vira para mim, falsamente ofendida. A mão dela dança perto da minha cara.

— Quem é você? E não se mete não que eu te arranho todo!

— Quero ver tentar. Sou amigo do Peter, amigo do Jake e conheço muito bem a sua laia pra saber que isso tudo aqui é um circo. O que você tá fazendo se chama extorsão. É, é! Chantagem barata! Você nem quer essa criança.

— Tu não sabe de nada, então fica quieto!

— Sei o bastante pra saber que você não é bem vinda aqui. Então some ou eu vou fazer você não querer mais voltar.

Ela me encara. Os olhos me fulminam. Nós dois ficamos neste desafio: quem desviar primeiro perde. Peter está estupefato atrás de nós, a boca pendendo aberta. Por fim, esta mulher sorri. Ela enfia a mão no bolso do casaco de couro falso e tira uma pokébola.

— Diga olá pra minha amiguinha.

Num estouro ela materializa uma Feraligatr gigantesca cujas mandíbulas engolfam o ar, batendo os dentes uns nos outros numa ameaça. Eu fuço em minha calça até encontrar a pokébola de Skorupi.

— Então vamos brincar.

Evoco Skorupi ao campo de batalha e o escorpiãozinho olha para sua oponente enorme sem nem um pingo de medo. Gosto dele, tem coragem. Sem que eu diga uma palavra, as garras do bicho brilham e se revestem até estarem mais afiadas, num Hone Claws precipitado. Aquela loira ri de mim.

— Vou ter tanto prazer em esmagar esse seu bichinho.

— Pode vir!

— Feraligatr, use Thrash!

— Skorupi, Poison Fang!

A jacaré pula sobre meu escorpião, numa tentativa de esbofeteá-lo até a inconsciência. O bicho, no entanto, se agarra em seu braço ficando ali pendurado, evitando grande parte dos danos. Suas presas venenosas se enterram na pele grossa de Feraligatr, injetando o veneno que vai, pouco a pouco, retardando os movimentos daquela pokémon. Ela começa a se sentir cansada. Um suor frio escorre de sua testa, dançando sinuoso até o queixo.

— Saia dessa! Hydro Pump!

— Corre, Skorupi!

Skorupi solta do braço de Feraligatr e corre para evitar o vórtice de água que a giganta dispara para ele. O escorpião sobe pelas paredes dos fundos da casa de Peter, correndo enquanto o jato d'água lava tudo em seu caminho, acertando janelas, quebrando vidros. Quando as águas cedem, é minha vez de atacar.

Venoshock!

Meu pokémon reúne tudo o que tem, cada centelha de veneno de seu corpo, e as vomita num rio de gosma ácida para cima de Feraligatr. Ela gane, os braços queimando sob a toxina, rodando de um lado a outro em desespero. Rangendo os dentes, a mulher começa a ficar sem opções. Ia gritar outra ordem, mas é Peter quem grita assim:

PAREM COM ISSO! Parem agora com isso ou eu chamo a polícia!

Nós dois, estupefatos, ficamos olhando para Howard. Ele treme e seus olhos, apesar de assustados, trazem determinação.

— E vai me acusar do quê, querido? — Ela sorriu, mais venenosa do que o meu Skorupi.

— Invasão de propriedade. Agora some daqui antes que eu perca a cabeça e te sente a mão na cara.

A loira não consegue acreditar que Peter esteja falando com ela naquele tom. Está completamente despeitada. Perdera toda a moral, bem no meio de uma luta. Está sob a ameaça de uma prisão. Me olha, então, com raiva.

— Isso não acabou. Eu vou voltar e quando eu voltar seu namoradinho não vai estar aqui pra te defender, Peeta.

Chama Feraligatr de volta à pokébola e vai embora como se fosse a rainha de todo o mundo.

Vaca! Como é que você deixa ela-

— Sai daqui.

Eu acho que não ouvi bem. Meus ouvidos estão me traindo?

— O quê?

— Eu disse pra sair daqui.

— Eu estou tentando ajudar-

— Eu NÃO QUERO a sua ajuda. Eu NÃO PRECISO de ajuda. Eu posso me virar sozinho. Agora sai daqui.

Quero dizer que isso é ridículo.

É Peter Howard. Ele nunca pôde se virar sozinho. Por que não aceita ser ajudado? Mas que direito eu tenho de dizer isso, depois de tudo o que fiz? Depois de tudo o que eu disse, das coisas horríveis das quais não me arrependi até ser tarde demais? Peter não se lembra, mas eu sim e isso é o bastante. Eu sou culpado. Não posso ficar aqui, fingindo ser o bom samaritano.

Skorupi me segue quando dou meia-volta e, de cabeça baixa, volto por onde viera. Passando pela entrada, Jake ainda grita:

— Onde vai?

E eu respondo em mono tom:

— Embora — E sorrio — Seu irmão já não me quer aqui.



Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 21:45, editado 1 vez(es)
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Mensagem por BellWolf 22nd abril 2014, 14:14


Avaliação
Vamos ver como você se saiu!



Mais um belo post Nesquic, isso é inegável. Mas quero que se atente à um ponto. Sua batalha ficou boa, mas meio curta, entende? Certo que a narração foi ótima, mas, mesmo assim, esperava mais de uma captura. Uma dica é que você poderia usar fusão de funções e, assim, fazer mais batalhas deixando seu texto mais envolvente. Entretanto, isso não é algo que interferiu na sua nota.

Captura julgada como Ótima. Held Item: Poison Barb.

Veja:

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Mensagem por Convidado 26th abril 2014, 13:22





you'll never be hard enough
to scratch my face




this is war; evolução de froakie
be warned! palavras de baixo calão, substâncias ilícitas


Não tive notícias de Peter Howard por mais um mês.

Eu parara por completo de ir ao Heads e passara a fazer minhas refeições no restaurante do hotel. A comida era horrível: o arroz em pelotas, queimado; um feijão frio e azedo; carnes que eram só gordura, intragáveis. Mas eu tolerava. Eu tolerava esta vida. Tentara, também, arrumar um emprego, mas as pessoas de Santalune tendiam a contratar com base em laços de confiança. Como não sabiam quem eu era, nem que era dali, meus diplomas e currículo me valiam de quase nada. Todo o tempo eu pensava em voltar à Lumiose e recomeçar minha vida, visto que vir à Santalune se provara uma ideia idiota, mas eu continuava ali. Infeliz, mas ali.

Estava mais deprimido do que nunca.

Naquele tempo que fiquei na cidade topei com toda sorte de conhecidos. Eram colegas dos dias de escola, professores que já não sabiam quem eu era, amigos, vizinhos, parentes... O mais difícil foi o dia em que esbarrei em minha mãe no mercado. A princípio não vi quem era. Eu saíra para comprar uma garrafa de vinho ruim, dado que as minhas desapareciam por magia da geladeira comunal, e trombei com a mulher. Estava irritado e com dor de cabeça, então andava sem nem olhar para onde. Dei um encontrão tão forte nela que fez sua cesta despencar de suas mãos. Abaixei-me para recolher suas coisas, mas foi minha mãe quem desculpou-se:

— Sinto muito! Ando tão distraída...

Ergui meu rosto e assim, face a face, eu me via refletido nos mesmos olhos que eram como os meus: dourados, poços claros brilhando de susto. Ajeitei as frutas em sua cesta enquanto ela, na ponta dos pés, alcançava um pacote de pão de forma integral.

— Não tem problema —, mãe.

Ela riu, mas era um riso confuso. Talvez até meio triste.

— Olhando assim para você sinto que esqueci algo... Algo importante. Não é engraçado?

Olhou para mim, então, querendo que eu confirmasse a graça. Desesperada para que eu dissesse que era, sim, engraçado. Vi que ela sofria por não se lembrar de algo que já não sabia o que era. Só que não era nem um pouco divertido. Era triste. Triste, e me matava.

— É. É sim.

Saí dali correndo como o diabo que foge da cruz. Quando cheguei ao apartamento, bebi tanto que me esqueci quem era. Vomitei pelo chão. Desmaiei em cima do vômito, caído ao lado da garrafa.

Patético.



[ . . . ]



Nos muitos dias que se seguiram àquele encontro eu vivi uma rotina de autodestruição.

Acordava, a barba sempre por fazer agora, e servia vodca antes do café da manhã. De estômago vazio se fica bêbado mais rápido ou assim eu pensava. Os cigarros desapareciam na carteira, fumados um atrás do outro, um atrás do outro, até que tivesse acabado com maços inteiros sem nem me dar conta. Do telefone do hotel eu ligava prum serviço de acompanhantes e mandava vir quem tivessem à disposição: não estava em condições de exigir nada. Bêbado, a garganta rascante de fumo, duas vezes mais pobre por conta das putas que pagava, eu não tinha perspectiva nenhuma de vida. Queria queimar meu dinheiro até o último centavo. Às vezes literalmente. Usava notas enroladas para cheirar neve e depois as assistia queimar, sob o fogo dum isqueiro.

Quando o dinheiro acabasse eu acabaria, também, com a minha vida. Agora que ninguém se lembrava não fazia diferença. Viver ou morrer, ficar ou partir... Num instante você pensa, fala, age; no outro é um pedaço de carne. Só um pedaço de carne...

Alguém bateu à porta.

Lembro de ter ouvido o som morrer sob o mar de álcool em que eu me afogava. Talvez fosse só uma alucinação minha. Eu estava tão alto, tão alto que nem conseguia pensar. Mas o toque insistiu outra vez e resolvi levantar para ver quem era.

Atendi a porta assim, vestido num roupão velho que pendia dos meus ombros, sobre uma regata surrada e um shorts rasgado, usando nenhum chinelo. Minhas olheiras eram fundas sob os óculos, meu rosto se enterrava sobre os ossos e minha barba já não era só mais uma penugenzinha rala: estava começando a virar um matagal falho. Eu fedia a bebida. Meu visitante não se incomodava, já que era só o cara que me arranjava erva e ninguém mais.

— E aí?

Me passou os baseados de sempre, eu lhe passei o dinheiro. Me voltei para fechar a porta, mas ele a segurou com pulso firme.

— Tá a fim de ganhar uma grana?

Eu estava.

— Qual é a parada?

O cara não respondeu. Apenas enfiou um papelzinho rasgado na minha mão, bateu no meu ombro e foi embora. Quando peguei o bilhete, dizia: 1435, King's Street e, numa nota, só use preto.

Vocês podem achar que sou louco, mas é aqui que estou agora, vestindo preto dos pés à cabeça. Elegante, até. Meu rosto está limpo outra vez; não há nem sinal de barba indolente. Jaqueta jeans, calças jeans, tênis converse. Talvez eu pense ainda que tenho dezesseis anos pra usar essas coisas, mas não poderia estar ligando menos. Está frio como a morte aqui, então agradeço minha boa ideia de ter trazido um cachecol. Ele se enrola em meu pescoço, quente contra esse mundo gelado. Tem um cigarro em meus lábios, apagado. Eu não consigo tirar minhas mãos dos bolsos para acendê-lo.

Estou parado há uns dez minutos completos. O lugar, de fora, parece um balcão abandonado e eu o encaro do outro lado da rua, a uma distância segura. Fico imaginando que tipo de trabalho deve ser. Eu posso ter dito que aceitava, mas não quero que seja hoje que minhas mãos fiquem sujas de sangue. E uma vez que você entra nessas coisas não há volta. Ainda tenho esperanças de poder voltar ao que era: voltar para minha vida com Sarah, para as lembranças de todos, para os padrões dos meus pais. Voltar a ser o perfeito Sheppard que todos conheciam e amavam. Não posso jogar tudo fora agora.

Vejo uma ou duas pessoas entrarem por aquelas portas enferrujadas. Vestem preto, também, e olham para todos os cantos antes de se enfurnarem ali dentro. Meu estômago fervilha de ansiedade e medo. No fim, a curiosidade vence. Já disse antes e repito agora: ser tão curioso ainda vai ser minha ruína.

Chego junto àquelas portas e as empurro, ouvindo um rangido sepulcral como num filme de terror. Está tudo escuro do lado de dentro e eu não enxergo um palmo diante do nariz.

— Só desce. — É a voz no meu ouvido que quase me mata do coração. — Tá rolando lá embaixo.

Quero perguntar embaixo de onde ou o que diabos está rolando, mas não digo nada. Apenas continuo andando na direção que me aponta, apressando o passo. Meu corpo inteiro está rijo de medo, mas se eu tiver que morrer aqui estou ok com a ideia. Pelo menos esses caras vão fazer o que eu não tive coragem de fazer comigo mesmo.

Topo com umas escadas que levam ao subterrâneo. São de madeira velha e a estrutura é improvisada, feita por um carpinteiro de fim de semana. Desço esses degrauzinhos magros, evitando o do meio que está quebrado como um dente podre. E chego, finalmente, ao porão. Olhava todo o tempo para baixo, mas quando ergo o rosto é meu queixo quem cai.

Não querem que eu mate ninguém. Também não vão me matar.

O lugar aqui embaixo é gigantesco e bem iluminado, com holofotes gingando lá em cima através da poeira. Pelos cantos há arquibancadas e há, também, uma multidão de pessoas, coisa que eu nem imaginava poder haver em Santalune, sentada sobre assentos elevados, soprando cornetas e agitando cartazes de seus campeões favoritos. Os que sentam mais acima estão usando binóculos. Os mais próximos ao campo trazem o rosto pintado. Nenhuma dessas pessoas usa preto.

— Mas o quê..?

Um cara me empurra pelas costas. É um armário, feito só de músculos. Em sua camiseta está escrito Staff.

— Anda garoto, já é a sua vez.

Não é preciso ser muito inteligente pra saber o que está acontecendo aqui.

É um clube da luta ilegal. Os que usam preto são os lutadores; vestem-se assim para se distinguir daqueles que vieram apenas assistir e apostar. As apostas estão rolando soltas enquanto eu sou arrastado pra perto do campo. Bookmakers vadios estão anotando e recolhendo o dinheiro e eu sei que ninguém espera que eu vença. Há uivos de vaia conforme tomo meu lugar sobre uma plataforma móvel que se eleva quando a piso.

— Eu-eu nem sei o que tem que fazer!

As vaias me ensurdecem. O armário-humano não me responde, nem ninguém. Começo a tremer, mas de raiva. Droga, onde fui me meter?

Ladies and gentlemen! Uma voz de mulher num forçado sotaque inglês soa por cima da confusão e a multidão enlouquece — Eu sei que vocês estão ansiosos para ver nosso atual campeão esmagar este desafiante e sair daqui com o gordo prêmio de quarenta mil pokédollars!

Os gritos, as luzes e o som das cornetas estão me deixando louco. Quem é o campeão? Nos cartazes só vejo escrito Mysterion. Por um louco momento, imagino que é Kenny McCormick quem vai me enfrentar. Put'a merda, eles mataram o Kenny! Quase rio, só que a situação não pede risadas.

— Mas, antes, devemos explicar as regras ao nosso novato! — As vaias ressurgem. Eles querem me ver cair sem nem saber o que fazer — Não, nada disso! Temos que dar uma chance a ele de provar seu valor, hohoho! As regras são bem simples: tudo o que tem que fazer é entrar no labirinto e pegar a bandeira. Fácil, não é? Você entra e procura pela bandeira! So easy!

As risadas invadem o cenário e eu me pergunto de que diabos eles estão rindo. Da minha cara, só pode ser. Não deve ser fácil como parece. Qual é a roubada aqui?

— Pode usar apenas dois pokémon, então escolha com sabedoria! As pokébolas escolhidas devem ser postas no suporte enquanto você entra. E, ah! Antes que eu me esqueça! Tem de ser você a pegar a bandeira. Se um de seus pokémon a pegar em seu lugar, está desclassificado. — Eu concordo e ela grita para os espectadores: — Agora, que os jogos comecem!

Uma buzina soa sobre todas as outras e há um instante de silêncio enquanto o chão se abre, num terremoto. Eu cambaleio sobre essa plataforma, fazendo o possível pra não cair de cara na fenda que surge da terra. Pouco a pouco um labirinto inteiro imerge do chão, feito de pedra e cercas-vivas. Do outro lado do campo, numa plataforma elevada como a minha, eu vejo o dito campeão. É um cara que parece ter a minha idade, dado a estatura e o porte, mas não vejo seu rosto. Vejo, porém, a bandeira: está bem no meio do dédalo, dançando vermelha contra um vento que não existe.

— Do lado direito temos Mark Sheppard ou, se preferirem, Sir Douchebag! — As risadas eclodem contra os meus ouvidos. Mostro o dedo do meio, mas as pessoas só fazem rir mais — E, do lado esquerdo, nosso campeão! A dez batalhas invicto e portador do cinturão de Santalune ele! Mysterion! O meu, o seu, o nosso Peter Howard!

Deus só pode estar de muita sacanagem com a minha cara.

Desde quando Howard luta num clube ilegal?

Do outro lado do campo, Peter ergue as mãos e acena àqueles que assistem. A multidão simplesmente endoidece: gritam, sopram as cornetas, agitam os cartazes. Uma garota joga o sutiã e ele sorri. É um sorriso cheio de lascívia. Ele já não parece o Peter que eu conheço. Parece possuído por um espírito; um espírito que o deixou cafajeste, sério e bom de briga.

— Você tá brincando comigo, não tá? — Grito por cima de todas as vozes. Não espero que ele me escute, mas Peter ouve. E grita assim:

— Por quê? Eu não posso ser bom com pokémon também, Sheppard? Eu disse que sabia me defender.

Não gosto disso. Não gosto de nada disso, mas é o jeito que ele diz meu sobrenome que me assusta.

— Por que está lutando aqui?

— Eu sempre lutei aqui. Se você não sabia, azar.

Outra buzina explode no ar quente e as pessoas voltam a ficar quietas, ansiosas pelo começo desta batalha.

— Agora! Escolham seus pokémon e comecem a correr!

Não tenho nem ideia de quais são os pokémon de Peter. Até poucos instantes, sequer sabia que ele tinha um, mas este sorriso convencido não me deixa. Mesmo tendo ouvido que Peter é o atual campeão e que ele tem até um cinturão para provar isso, a ideia fixa na minha mente se recusa a tomar isso como verdade. Peter sempre foi um perdedor. Um bebê chorão. Sempre tive que lutar suas batalhas, defendê-lo dos moleques mais fortes, dos bulliers, dos valentões. Não tem como alguém tão fraco ter se tornado tão forte, mesmo em dez anos.

É por isso que não dou muita atenção àqueles olhos vazios quando Peter coloca as pokébolas no suporte. Eu, também, escolho as minhas: Froakie e Deino. Assim que as ponho sobre o encaixe elas são fechadas pelo compartimento e sugadas para dentro do labirinto. Esta é a deixa para que eu entre. Peter já desaparecera dentro desta confusão de pedra e grama e passo a caminhar para lá também. A voz da locutora irrompe dos alto-falantes outra vez:

— Hoje temos uma surpresinha! Eu sei que vocês adoram surpresas — Uma explosão de palmas, cornetas, assovios — E a de hoje é... Alakazam! Isso mesmo! O pokémon psíquico favorito de Santalune vai estar brincando com as paredes! Portanto, competidores, não esperem nosso labirinto estático. Paredes e obstáculos podem não estar sempre no mesmo lugar... E este déjà vu que sente pode não ser só coisa da sua cabeça. Hohoho!

Estou no labirinto agora, cercado de muros por todos os lados. Ando por esse chão de terra batida, meio ansioso. Onde estão meus pokémon?

— Eu vou te achar. E quando eu te achar reze pras paredes mudarem de lugar.

A voz de Peter ecoa dentro da minha cabeça e eu sei que só eu posso ouvir. Se a multidão houvesse ouvido, estariam explodindo de alegria e palmas e vivas. Mas não estão. Só há essa apreensão extasiada vindo deles e este temor vindo de mim. Apesar disso, dou risada:

— Tem certeza que não vai chorar quando eu acabar com seus pokémon?

Ele também ri, mas é um riso cínico e seco.

— Eu vou acabar com você.

Corro por dentro do labirinto, perdido. Deino e Froakie conseguiram me achar graças à audição apuradíssima do dragãozinho e o sapo se jogou para cima de mim, grudando em minha cabeça, puxando meus cabelos. Deino morde a barra da minha calça, em reconhecimento. Estão felizes por me ver e eu... Eu quase morro de alívio por eles estarem aqui. De algum jeito, estou temendo esse novo Howard psicopata.

Meh... How boring! Vamos deixar as coisas mais interessantes! — É o grito da locutora que faz a multidão vibrar.

Mais interessantes como? Já não é o bastante todo esse circo de digladiação? Só que no outro instante eu entendo o que ela quis dizer.

As paredes atrás de mim estão se mexendo. Na verdade estão me comprimindo, me forçando a correr adiante. Eu corro como se minhas pernas fossem ases velozes, como se minha vida dependesse disso, vendo o muro de pedra em meu encalço, arrastando-se pela terra. E qual não é o meu horror ao ver que o da frente também está vindo em minha direção.

— Eu vou morrer! Vou morrer preso aqui!

Ouço Peter rir, mas acho que só é minha imaginação pregando peças. O Peter que eu conheço não riria de uma coisa assim. Mas é o Howard que eu conheço? Droga, é nisso que quero me focar agora? Tenho que sair daqui. Tenho que pensar! Tenho que pensar, mas o tempo está acabando.

— Deino! — Grito — Use Body Slam pra quebrar a parede!

O dragão faz como eu ordeno, se jogando com toda a força sobre o muro de pedra. Não é o bastante. A parede treme, mas não cai. Não há buraco, nem mesmo rachaduras. Eu estou ficando desesperado. Deino continua: acerta a parede com seu corpo, sendo sempre jogado de volta para trás, frustrado. As paredes que se apertam quase nos encontram. Estou tendo que me espremer entre elas para não ser esmagado.

— Por favor...

Mais um encontrão e a parede cede. É um buraco de nada: só uma fissura entre as pedras grossas. Só que consigo me enfiar lá e arrastar Deino e Froakie para a segurança. As paredes do outro lado se fecham com um baque horrível, num som de trovão. Imagino o que seria de mim, preso entre aqueles dois gigantes: apenas um patê de ser humano. Caio no chão, de costas, arfando. Isso vale quarenta mil pokédollars? Bem, agora já não tem mais volta.

Quando abro os olhos vejo Peter me encarando.

— Olá.

E grito como se tivesse visto o demônio.

Tento ficar em pé, mas minhas costas ainda doem da queda e tudo que consigo fazer é me arrastar até estar contra a parede. Talvez minha cara denuncie meu medo, porque ele sorri como quem faz o mundo; como quem tem a faca e o queijo nas mãos. Cada passo que dá para mim é um passo predatório: caminha como um tigre que encurralou uma lebre. Ele se abaixa sobre meus joelhos e ali fica: as pernas de cada um dos lados do meu corpo, os olhos diante dos meus. Num instante o rosto dele se aproxima e eu fecho os olhos no reflexo, esperando por algo que nunca vem.

É uma voz quente que soa à minha orelha:

— Corre. Só... corre.

O sussurro é o que me faz tremer dos pés à cabeça, num arrepio que não é bem de medo. Ele se afasta e se agacha adiante, ficando com os braços cruzados sobre os joelhos. Espera que eu o obedeça. Alguma coisa em seus olhos me diz que é o prudente a se fazer, então eu levanto devagar. Bem devagar.

E corro depressa.




— B A T T L E —



— Mienshao, você fica. Makuhita, corra e use seu Vital Throw em quem puder acertar. Não deixe que fujam.

Mienshao? Makuhita? Ouço a ordem de Peter e só faço correr: mais rápido, mais veloz, mais desesperado. Howard tem todas as vantagens aqui. A vantagem de conhecer o cenário, a vantagem do tipo e a vantagem da minha covardia.

Um muxoxo como um pranto sai dos meus lábios quando vejo a parede fechar-se bem à minha frente. Estou encurralado entre o muro e Peter. E, nisso, Makuhita está vindo. Aquela pokémon corre depressa para alguém tão balofo; depressa demais pro meu gosto. Não tenho para onde fugir. Não tenho nem como pensar numa estratégia. Ela se atira para meu pokémon mais próximo, acertando-o com o corpanzil pesado. É Deino quem sente todo o peso de Makuhita: ele gane quando é acertado nas costas, quando bate na parede, quando ela pega seu corpo ainda caindo e o arremessa no chão.

— Deino! — Grito agora e Peter ri — Levanta! Froakie, Smokescreen!

Como Deino não levantasse, eu mesmo corro até lá e o agarro nos braços. Ele está fraco e treme sob o meu aperto. Froakie infla o peito e então uma grossa nuvem de fumaça toma conta do cenário, presa entre aquelas paredes de pedra e incapaz de se dissolver. Já não vejo Peter, nem Makuhita ou Mienshao. Sei que também procuram por mim, então me aproveito dessa barreira para me afastar.

— Deino, mostra o caminho.

O coloco de novo no chão, vendo-o ficar em pé não com dificuldade. No entanto, ainda pode lutar e mover-se: ele puxa a barra de minha calça e assinala para que eu o siga. Pé ante pé, nesse nevoeiro de fumaça escura, vou me afastando depressa. Eu preciso sair daqui, preciso procurar a bandeira. Ninguém disse que eu precisava derrotar Peter para vencer. É só pegar a bandeira e vai estar tudo certo.

— Onde pensa que vai?

Mas como ele chegou tão rápido aqui? Isso é trapaça!

— Deino! — Eu estou desesperado. Meu deus, o que vou fazer? — Fica pra trás.

Meu pokémon me encara como se eu houvesse enlouquecido. Froakie salta no meu pescoço, como que tentando me fazer voltar à razão. Sussurro uma ordem secreta ao sapo e ele acha que estou louco. Acha mesmo que estou louco, mas nada vai me fazer mudar de opinião agora. Peter ri mais.

— Você sabe que nossas vozes estão ecoando uma na mente do outro, não sabe? Mas ok. Você acabou de se revelar pra mim. E vai sacrificar seu Deino? Eu não vou ter pena de você. — Merda! Como pude ser tão idiota? — Mienshao, High Jump Kick! Acaba com esse Deino!

Uma corrente de ar soturna e fria como a morte corta como navalha, passando por Peter e eu. A fumaça é varrida com o vento encanado: provavelmente arte da bruxa da locutora. Não é interessante que os espectadores não saibam o que está acontecendo sob a cortina. Ela quer mesmo é mostrar o show. Meu Deino, totalmente desprotegido, treme de medo diante do pulo do pokémon de Peter. Froakie não está em lugar nenhum para ser visto agora. Mienshao vem numa velocidade impressionante: se eu achei Makuhita rápida, não havia visto essa doninha. O bicho todo emana força; a joelhada que pretende dar em Deino será forte o bastante para deixá-lo desacordado por horas.

Mas o ataque nunca acerta.

Agora!

Froakie salta de cima do muro, finalizando o Bounce que eu lhe ordenara em segredo. Enquanto a fumaça ainda cobria o campo, ele saltou para cima das paredes do labirinto e ficou lá, escondido até agora: o momento perfeito. Um adversário fica vulnerável enquanto ataca. Mienshao não tem tempo pra se defender. Os pés de Froakie, violentos e fortes, o acertam no queixo e o forçam para longe de Deino. A força foi o bastante para jogá-lo contra uma das paredes: o High Jump Kick planejado para acertar o dragão acerta apenas a pedra fria, deixando Mienshao com um joelho inútil.

— Gruda ele, Froakie!

Meu pokémon começa a produzir mais e mais bolhas, mais e mais espuma, e as arranca com suas pequenas mãos. Arremessa, então, toda aquela porcaria para Mienshao e o pokémon de Peter fica preso à parede, incapaz de tirar o joelho ferido do muro de pedra.

— Está começando a pensar, Sheppard.

— Eu sempre fui um estrategista. — Peter não está mais rindo. Isso é bom — Acaba com esse Mienshao! Scald!

Por um momento, a expressão de Peter vacila. Seus olhos não são mais apáticos e vazios: se tornam assustados em verdadeiro pavor. Sabe que esse ataque vai acabar com seu pokémon, tirá-lo de combate. Só com um Makuhita ele não pode me vencer.

Froakie enche-se de água e um vapor branco sai de suas narinas. As bochechas incham. O peito murcha. Então, num disparo, um vórtice de água fervente explode de sua boca em direção ao Mienshao preso. Ele não vai escapar dessa...

Ou assim pensei.

Froakie havia queimado alguém. Só não o alvo certo.

— Ah... Ah, meu deus... — Peter fica ali, braços abertos, o corpo todo molhado e escaldado; vapor sobe de sua pele queimada — Você acha que vai ganhar assim tão fácil, é? Hahah.

E eu não posso estar mais perplexo do que estou agora. Ele se jogou na frente do meu ataque pra proteger seu pokémon. Uma queimadura daquela pode matar! Peter podia ter morrido!

— Ei! Alguém! Isso foi invasão! Peter tem que ser desclassificado! Tirem ele daqui antes que eu o mate! — Grito, mas o nada me saúda em resposta.

Peter ri.

— Não é invasão. Não é contra as regras. Não é ilegal. Nada aqui é ilegal. As pessoas morrem nesses jogos, sabia?

Começo a entrar em pânico.

— E você quer jogar sua vida fora por isso?

— Se jogar minha vida fora vai me fazer vencer, então sim! Eu quero! O que você sabe sobre mim, Sheppard?  

— O bastante pra não querer que morra.

Ele olha pra cima, para os meus olhos, e eu posso ver que sua determinação vacila. Por um instante, vejo que ele quer parar. Ele já não quer esta luta. A raiva que ele sentia já não está mais ali; em seu rosto só vejo o cansaço. Mas segue em frente:

— Makuhita, quebre a parede com Force Palm! Liberte o Mienshao!

A gorduchinha faz como lhe é ordenado: corre para Mienshao e põe a mão sobre a parede que o prende. Então, num brilho de luz branca, atira uma força pavorosa contra os muros de pedra. Mienshao cai, doído até do ataque de sua companheira, ainda com o pedaço de concreto atado pela espuma ao seu joelho bambo.

— Consegue pôr-se em pé? — Mienshao assente e se esforça para tirar as bolhas adesivas. Com muito trabalho elas saem — Certo. Agora nós vamos...

Mas sua fala é cortada pelas paredes que mudam de novo de lugar. Elas estão se abrindo de um lado e se fechando de outro e, de repente, eu tenho uma ideia fantástica.

— Deino! Headbutt na Makuhita! Apenas jogue ela pra trás das paredes que estão fechando agora! Vai, vai, depressa!

Peter até quer impedir Makuhita de ser separada de Mienshao, mas Deino é mais rápido: ele corre a toda velocidade e dá uma cabeçada na gorduchinha que rola para trás das paredes que fecham. Ele, também, sai correndo para lá. Quase grito que é uma burrada, mas mordo os lábios. Meu plano, a princípio, era ficar com Froakie e Deino contra Mienshao. Mas ter transformado essa batalha de duplas em dois um contra um pode ser uma boa, também. Só preciso usar isso a meu favor.

— Agora, Mienshao! Aura Sphere! Makuhita, se pode me ouvir, aguente firme! Use Endure!

— Froakie, salta! Deino, Dragon Breath!

Froakie, antes à minha frente, salta para defender-se do Aura Sphere de Mienshao. A esfera de energia azul, feita da junção das duas patas da doninha, passa direto por baixo dele e quase me atinge; tenho de me jogar para um lado para não ser pego naquele ataque horrível. Meu sapo gruda sobre a parede do labirinto. Do outro lado desta, vem o clarão nefasto das chamas de Deino.

E, também, uma outra luz que não posso reconhecer.

Peter sorri:

Makuhita, Heavy Slam!

Me pergunto o porquê do cinismo ao dizer o nome de seu próprio pokémon, mas quando ouço o baque e vejo a parede quebrando eu entendo. Não é mais Makuhita. O bicho que arremessou meu Deino na parede, forçando-o para o lado de cá com pedra e tudo, inconsciente, era uma Hariyama. Parecia uma grande lutadora de sumô, pesada como quê, parada ali sobre o corpo inerte de Deino com os braços abertos, pronta a qualquer ordem de Peter.

Lembro, então, de repente, que não tenho nenhuma pokébola comigo para chamar Deino à segurança. Era esse o propósito desse jogo? Acabar de vez com os pokémon do outro? Olho para Peter como quem pede clemência. Meus olhos sussurram por favores que não vocalizo.

— Não se preocupe, eu só quero a bandeira. Pode ficar com essa coisa inútil.

Corro.

Pego Deino nos braços, tirando-o de perto de Hariyama. Ela não me ataca, nem a doninha, ambos respirando com alguma dificuldade, arfantes. Afasto-me deles, olhando para esses dois monstros de Peter. Eu não tenho chances contra Hariyama. Havia me focado completamente no Mienshao, deixando Makuhita em segundo plano, imaginando que ela era uma oponente fácil. Agora esta gigante me olha, desafiadora.

— Quer se render? — É o sorriso de Peter pra mim. A voz dele está só na minha mente agora.

— Me render a você? Nunca. — Volto-me a Froakie — Amigão... Nós não temos chances. Mas pelo menos esse Mienshao nós temos que tirar daqui! Hydro Pump!

Froakie, sentindo meu pavor e sabendo que não venceremos assim, começa a ficar muito preocupado. Olha para Makuhita, para Mienshao. E só tem uma escolha. Ao encher a boca de água, forçando-se a produzir aquele Hydro Pump, seu corpo todo brilha com o fulgor de um diamante. É como olhar diretamente para a luz do sol: eu tapo meus olhos, cego pela repentina explosão de luz. O corpo de Froakie se metamorfoseia, mudando de tamanho, crescendo, expandindo. Quando a luz diminui, por fim, já não é mais Froakie quem se prepara para o ataque. É Frogadier.

O tiro de água que sai de sua boca é duas vezes mais forte que aquele que antes Froakie conseguia produzir. É um verdadeiro redemoinho, varrendo tudo que encontra pela frente. Atinge Mienshao, arrastando-o até que bata na parede, desacordado. Mesmo Hariyama é atingida pelos efeitos da torrente de água; salta de lado para não receber mais danos.

— Hariyama, Arm Thrust!

Distraído, não percebo o ataque até ele estar quase em cima de Frogadier.

Os golpes de mão aberta vêm viciosos e meu sapo não tem como recuar. Ele não vai conseguir fugir a tempo. Então, à moda de Peter, entro na frente, me interpondo entre a pokémon e Frogadier. Os ataques atingem meu estômago, meu peito, e eu cuspo sangue ao me curvar para frente. Por um instante juro que vejo tudo negro. No outro, flores pretas desabrocham em minhas retinas. Quando Hariyama retrocede, caio de joelhos, dobrado sobre o estômago. Passo as costas das mãos pelos lábios, vendo a vermelhidão pintá-las, tingindo-as de rubro.

— Isso sim podia ter te matado, idiota.

— Precisava ganhar tempo. — E rio.

Peter acha que estou louco, mas não estou. Eu vim observando o movimento das paredes e só agora estou começando a perceber um padrão. Se meus cálculos estiverem corretos, uma deve se abrir atrás de mim em questão de minutos.

Meus cálculos eram precisos, então. A parede se abre, revelando um caminho quase reto por onde posso ver a bandeira. Rio mais, mais, sentindo meu estômago doer com o esforço.

— Acho que isso é um adeus. — Me levanto e Frogadier me segue — Me assista ganhar, Peter.

Dou um passo para trás, e a parede antes aberta volta a se fechar. Peter, horrorizado, fica para trás junto de Hariyama. Não precisei derrotar Howard para a batalha ser ganha.




— B A T T L E ' s E N D —




Saio correndo por essa passagem, ciente de que há armadilhas por todos os cantos. Mais de uma vez tenho que saltar por caminhos que se abrem em fendas, desviar de setas jogadas das paredes que tentam me espetar e me enterrar aqui, de armadilhas de urso, machados que zanzam sobre a minha cabeça. Deus amaldiçoe esse lugar se eles não jogam pra valer. No fundo da minha mente eu posso ouvir a Hariyama de Peter abrindo caminho reto pelas paredes. Se ele não pode achar a saída do labirinto, então vai atravessá-lo com força bruta. Mas eu estou tão perto... Tão perto agora.

— Que pena, Peter. Eu venci!

Me jogo para cima da bandeira, num salto épico.

Eu vou pegá-la! O prêmio é meu!

Mas uma barreira, como uma força imaginária, me joga de volta e eu acerto a parede; minhas costas estalam sob a batida.

Reaparecendo debaixo de sua camuflagem, como uma ilusão que se dissipa, surge uma raposa velha como o tempo, flutuante. Sua barba é branca. Está sentada no ar na pose da flor de lótus e uma coleção de colheres dança ao redor de sua cabeça. É um Alakazam, mas um como eu nunca vi antes. É isso que chamam de Mega evolução?

Do lado oposto ao meu, pela outra passagem que também leva à bandeira, vejo Peter. Ele também tenta alcançar o objetivo, mas é acertado pelo mesmo ataque que antes me jogara aqui. Enquanto o Deino em meus braços não fora machucado pela barreira, não se pode dizer o mesmo do Mienshao de Peter: mesmo desacordado, sua condição se agrava. Sua respiração se torna mais e mais baixa e doída.

— Peter...

Percebendo minha intenção, Howard olha para mim com uma raiva que me faz voltar pro lugar. Não quer minha ajuda. Quer vencer sozinho.

— Quando é que você se tornou um bastardo orgulhoso? — Questiono, mas não há resposta. Digo a Frogadier: — Use Lick nessa raposa! Com sorte, ele vai ficar paralisado. E aí... Aí é só vencer!

Meu sapo salta, a longa língua rosa estendida para fora da boca. Lambe a raposa de alto a baixo, enviando um espasmo de terror que a faz cair de seu reinado flutuante. Incapaz de se mover, Alakazam não será um empecilho agora. Pelo menos por algum tempo. Tempo o bastante para pegar a bandeira. Levanto. Vejo Peter, do outro lado, fazendo o mesmo.

— Ah, mas não vai mesmo!

— Você que pensa!

Corremos, saltamos, caímos. Nossas mãos agarram o mastro da bandeira vermelha ao mesmo tempo e, com aquilo, todo o labirinto se dissolve. Era apenas uma ilusão. Um Trick Room planejado para acabar quando o vencedor tocasse o objetivo. Ficamos aqui, caídos e doídos, mas as mãos se recusam a soltar. A multidão está quieta. Todos seguram a respiração. É a locutora quem diz assim:

— Isso é... É um empate? Pela primeira vez em anos, isso é um empate?


Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 22:12, editado 1 vez(es)
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Mensagem por Kaay 26th abril 2014, 14:36

    É uma pena que o máximo que posso te dar é Ótimo.
    Treino — Ótimo (Move Tutor Dragon)
    Evolução — Ótimo
    Ao que li, foi uma fusão de funções.

    Me ensine a escrever como você
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Mensagem por Convidado 28th abril 2014, 09:28





I wanted to feel you
I tried to belong here




all i need to know; captura de murkrow


— Se é assim, o prêmio terá de ser dividido entre os participantes e-... Não, esperem! A produção tem novas informações para mim! Ao que parece... só temos um vencedor! Acompanhem o replay em câmera lenta no telão!

Na tela gigante, onde também se podia acompanhar a batalha, começa a passar a cena final deste embate. O momento exato em que Alakazam me atira à parede. O instante em que Peter chega. Nós dois, machucados e infelizes, discutindo por um mesmo motivo. E o momento em que saltamos sobre a bandeira.

Num zoom é possível ver quem foi o vencedor. Quem, por uma fração insignificante de segundo, alcançou o objetivo primeiro:

Eu.

— Mark Sheppard venceu! — E o povo que antes que me vaiava agora me aplaude em pé, soando as cornetas a meu favor — Venceu o nosso campeão!

Levanto-me com muita dificuldade e vejo Peter fazer o mesmo. Seu rosto está oculto nas sombras da franja, derrotado. Ele espana as roupas enquanto aconchega Mienshao ao peito. As pokébolas, antes caídas no chão ao fim do reino ilusório, agora estão em suas mãos e Howard chama sua doninha de volta ao conforto da esfera. Hariyama também merece descanso e ele a recolhe, sem olhar para cima nem um momento.

— Parabéns. — É o seu sussurro seco.

Tenho vontade de ir até lá e dizer alguma coisa que desfaça essa tensão, mas no outro instante as pessoas estão saltando das arquibancadas e correndo para mim. Me circundam numa prisão de gente que não consigo atravessar. Assisto assim, sobre o ombro de dezenas de indivíduos, Peter me dar as costas e ir embora.

— Deixem nosso campeão respirar! — Diz a locutora, abrindo caminho entre as pessoas todas como se não fosse um empecilho. — É hora da premiação!

Mas não escuto nada. Não vejo nada. A única coisa que importa são as costas derrotadas de Peter e o caminho que ele faz lá para fora.



[ . . . ]



Eu saio de lá tão rápido quanto me é possível: tão rápido quanto a multidão deixa. É gente de toda Santalune e das regiões vizinhas, querendo me dar tapas nos ombros e me parabenizar agora que meu bolso está cheio de dinheiro vivo e, sobre meus ombros, tenho a promessa de que Peter me deve um cinturão. Não quero nada disso: todos esses rostos e sorrisos e cores me deixam enjoado. A única coisa que quero é correr e respirar lá fora, então é o que faço, andando depressa até ser engolfado pelo escuro.

Aqui, no estacionamento, sinto cheiro de óleo e de noite. O ar puro invade meus pulmões e clareia minha mente e, agora que penso direito, há algo que preciso fazer antes que termine o dia. Deus queira que ainda dê tempo. Assim, corro por este espaço lúgubre, feito de carrinhos enferrujados e caminhões, de sujeira e de escuridão. Ele tem que estar aqui em algum lugar! Não tem como ter ido embora tão depressa...

Provo-me certo ao ver aquela figura dobrada em derrota fazendo um caminho silencioso rua abaixo. Corro até estar junto a ele, sob a luz amarela e chiante de um poste.

— Peter, espera...

O seguro pelo braço, mas que ideia idiota! Howard se volta pra mim como um leão ferido que não tem mais o que perder, apostando tudo num último ataque.

— O quê? Eu já disse: parabéns por ter vencido, Sheppard. Parabéns por ter conseguido, Sheppard. Quer que eu te reverencie, também?

Por que ele ainda está com raiva?

Incrédulo, digo assim:

— Não. Eu só quero... conversar.

— Conversar? Ótimo. — Cruza os braços na altura do peito, ainda tremendo — Sobre o quê? Sobre a sua ajuda estúpida ter me jogado aqui nesse buraco?

Agora não estou entendendo mais nada. Abro a boca para perguntar, mas Peter me interrompe.

— Vivian entrou na justiça pelo Jake graças àquela sua brincadeirinha. Parece que ela ficou bem brava por eu ter ameaçado chamar a polícia. E eu não tenho dinheiro, Sheppard. Eu não sou um advogado, mesmo tendo estudado pra ser um. Sabe como é caro pagar por essas coisas? Sabe?

Não consigo dizer nada. Ali, sob a luz dourada do poste, vejo os olhos de Peter queimando de raiva. E de tristeza. A postura ofensiva de Howard dá lugar a uma derrotada quando ele afunda em si mesmo e murcha os ombros.

— Então eu venho aqui. É o único lugar da cidade que dá pra ganhar dinheiro fácil sem se meter numa roubada muito grande. Mas você viu como é. Eu passo por isso toda semana. Eu... — Ele engole em seco, forçando-se a não quebrar — Eu não nasci pra isso, Sheppard. Eu quero a minha vida de volta.

Quero abraçá-lo.

Droga, é uma vontade tão forte que tenho que me segurar no lugar para não cometer mais essa burrice. Então fico ali por uns bons instantes, tentando reencontrar meu autocontrole, antes de abrir a boca e dizer:

— Eu não preciso do dinheiro.

Peter me olha, indecifrável: ora acho que aquilo em seu rosto é desconfiança, ora alívio; mas na maior parte do tempo, acredito que seja pura raiva.

— O que quer dizer?

Tiro as notas do bolso pra mostrar o que estou querendo dizer. O queixo de Howard cai.

— Minha vontade é de socar esse dinheiro na sua garganta e fazer você engolir — Vocifera ferido, o indicador dançando na minha cara — Mas não posso ser orgulhoso agora.

Recolhe o prêmio das minhas mãos, folheia as notas e, com um suspiro aborrecido as enfia no bolso de trás. Volto-me para ir embora, caminhando direto por Peter, mas ele me dá um puxão no pescoço. Um puxão forte.

O cachecol, que antes me esquentava e protegia, agora parece um laço de enforcado quando Peter me arrasta por ele e me força a voltar. Quase sufoco, quase caio; cambaleio para trás e ali fico, sob o olhar de Howard.

Ele ri. Eu também rio. Que coisa engraçada, essa!

Então, me soca a cara.

O soco é forte o bastante para me fazer cair no asfalto frio e lascar as mãos. Um soco que deixa meu olho vermelho, sob a promessa de arroxear.

Isso é por ser um cretino e meter sempre o nariz onde não é chamado.

Meu queixo está caído e eu abro e fecho a boca como um peixe fora d'água.

— E isso Uma mão estendida em trégua — é por ser meu amigo e tentar ajudar.

Nem penso. Aceito a mão de Howard e, quando me ergo, o sorriso dele espelha o meu.

Amigos então, que seja.




[ . . . ]



— Amanhã é quatro de julho.

Peter disse enquanto bebia do gargalo de uma cerveja. Havia se passado quase um mês desde o dia do clube e, desde então, eu e Peter lutávamos naquela arena toda bendita semana. Vivíamos assim, dividindo os lucros, juntando o dinheiro para pagar as despesas dos advogados. Agora estávamos sentados ali, sobre a balaustrada de sua varanda, as pernas pendendo de cima do encosto, balançando moles para o chão. O vento zanzava pela rua, levantando redemoinhos de poeira. Minha cerveja estava esquentando em minhas mãos; a tempos não molhava os lábios com ela. Estava olhando para a imensidão sem fim das colinas de Santalune, preocupado demais com outras coisas para pensar em ficar bêbado.

— O dia da independência. Viva Tio Sam. Eu disse e Peter riu, sua risada morrendo sob a brisa.

— Eu não costumo ligar pra datas, sabe. Mas todo quatro de julho eu levava o Jake a Lumiose pra ver os fogos.

Engasguei.

— Você ia a Lumiose todo ano? — Só de imaginar Peter na mesma cidade em que eu havia vivido nos últimos dez anos me dava um quê de mal estar.

— Sim. Eu levava meu irmão à Bourbon Square e, de lá, assistíamos aos fogos de artifício. Todo ano. Não havia lugar melhor pra ver as flores chinesas.

Bourbon Square? Quase caí de onde estava, me desequilibrando por um momento. Isso era tão perto do meu antigo apartamento! Se eu andasse uma quadra estaria nesta praça e era lá onde eu costumava ir quando meu romance com Sarah não passava de paquera e namorico. E numa coisa Peter tinha razão: não havia melhor lugar para se ver o quatro de julho em toda Kalos.

— Mas este ano não vai dar, vou ter que quebrar a tradição — Outro gole na cerveja, outros olhos perdidos no horizonte — Eu estou muito no vermelho por causa do processo do Jake.

Olhei para Peter e vi o quanto lhe doía toda essa penúria. Eu já havia me desculpado antes, me desfeito em promessas de ajudá-lo, mas ele disse que não era nada demais: eu só adiantara um desfecho inevitável. Mais cedo ou mais tarde Vivian entraria na justiça, por mais dinheiro que Peter lhe desse. Era uma cobra peçonhenta, aquela: uma víbora que o extorquia.

Assim, encarando o rosto cansado de Howard, fiquei pensando em um jeito de dar a Jake a visão dos fogos no quatro de julho. Eu podia, é claro, pagar nossas passagens a Lumiose, mas seria especial? Fora que ir a Lumiose reacenderia minha depressão; eu ainda não estava pronto para lembrar a vida que perdera.

Então, tinha que pensar em outra coisa. Como que acertado por uma luz, me ocorreu uma ideia. Uma ideia fantástica.

— Sei de uma coisa que é melhor que os fogos, Peter. E você nem vai precisar sair de Santalune pra ver.

— Sério? — Um sorriso dançando em curiosidade — O quê?

— Se deixar que eu dirija, vai ver.

Peter deixou. Tanto deixou que é aqui que estamos agora: Jake, Peter e eu sentados nesta Toyota '45, dirigindo por uma estrada de terra esburacada nesta tarde que se esvai. Howard acha que não foi uma boa ideia me deixar dirigir, já que estamos indo pro aparente meio do nada, mas eu peço que ele confie. Não estamos assim tão longe. Jake olha para a paisagem pelo vidro da frente e traz o sorriso das crianças que esperam grandes aventuras. Espero só que não se decepcione quando eu mostrar o que viemos fazer.

— Mark, eu não sei se devíamos estar aqui. Você disse que não íamos ter que sair de Santalune e olha só onde estamos!

— Tecnicamente-

— ... ainda estamos em Santalune. Quase na divisa com o município de Lumiose, mas ainda em Santalune.

Jake é quem termina meu pensamento, o rosto colado à janela, os olhos brilhando por conhecer esse novo mundo dentro de sua cidade natal. Olho para o menino, para Peter, então dou de ombros como que dizendo que Howard deve escutá-lo. Meu amigo se afunda no assento do passageiro, aborrecido por ser contrariado. Resolvo ligar o rádio só para desfazer a tensão. Uma música sulista vem soando pelos alto-falantes, nos envolvendo com as boas mãos de sua melodia.

Assim, num silêncio entremeado pela batida de um violão, chegamos ao nosso destino. Abro a porta do meu lado, desço e é um Jake hiperativo que sai correndo e gritando assim:

— Woah! Nossa! Olha que lugar incrível, Peeta!

Lago Heynes. A superfície de suas águas, tão lisa como um espelho, está agora brilhando com a luz incandescente de centenas de diamantes enquanto os raios de sol refletem suaves sobre a face da lagoa. As árvores, compridas e esparsas, são parte da floresta conífera de Santalune. As colinas, que antes via da casa de Peter à distância, são agora tão próximas que uma expedição a pé por esta trilha nos levaria ao cume de uma delas. Peter ainda se faz de aborrecido, mas há um sorriso em seu rosto quando o sol queima no horizonte.

— Era isso que queria mostrar?

Eu também sorrio.

— Não. Essa é só parte da surpresa.

— Mark! — Jake grita, correndo por cima dos pedregulhos próximos ao lago — Vem ver uma coisa!

— Ah, agora é Mark, é? E o que aconteceu com seu bom irmão Peeta?

Peter reclama, ciumento, mas nem eu nem Jake lhe damos muita atenção. Vou lá ver o que o menino quer, andando na ponta dos sapatos para não deslizar no musgo que recobre estas pedras. Mais de uma vez escorrego, ficando a um passo de me arrebentar e cair no lago, mas consigo reencontrar o equilíbrio a tempo.

— O que foi, Jake?

— Me mostra como se captura um pokémon? — Seus olhos brilham. Atrás de nós, Peter revira os olhos.

— Mas eu já te mostrei como fazer isso, Jake.

— É, já! Mas com a sua técnica eu nunca consegui pegar nada além de um Trubbish!

— O que há de errado com seu Trubbish? Pensei que gostasse dele!

— E eu gosto! É por isso que não quero que ele fique sozinho, entende? Quero que ele tenha companhia. E se eu for ser um treinador, não posso ficar só com um pokémon! Quero ser como você, Peeta! Seu Mienshao é tão legal... E agora Hariyama!

— Eu os consegui do jeito que eu te expliquei-

— Que é um jeito que só dá certo pra você!

Vendo que os ânimos estão se exaltando, tento entrar no meio. Digo assim:

— Peter, não tem nada de mais ele querer ver como eu faço. Também não pode ser muito diferente do jeito que você faz. — Peter se irrita, mas não lhe dou mais atenção. — Então eu vou te mostrar, Jake. Só precisamos... achar um pokémon selvagem.

— Eu tinha visto um aqui agora mesmo!

— Onde?

Procuramos por um bom tempo o dito pokémon que ele alegara ter visto. Pelas suas descrições, era uma espécie de pássaro coisa assim. Como procuramos e não encontramos nada, imagino que Jake esteja enganado. Talvez ele tenha visto outra coisa. Ainda assim, permanecemos aqui por um longo período, atentos a qualquer sinal de pokémon. Peter está morrendo de tédio ouvindo eu e Jake discutirmos sobre times de baseball e álbuns de figurinha. “Crianças”, é o que diz.

— Ali!

O grito de Jake me assusta; quase caio de boca dentro da água. E o pokémon que ele aponta é mesmo um pássaro: um que parece um corvo, de penas pretas, saltando sobre as pedras. É um pássaro estranho, verdade, já que a penugem em sua cabeça faz com que pareça estar usando um chapéu. É um Murkrow, e parece querer molhar o bico nas águas do lago.

Agora que escurece não me admira que um Murkrow apareça ali. Tem sede e é por isso que ronda o Heynes, ansioso por provar deste oásis. Mal sabe ele que este lago é um grande reservatório de água salgada, vinda de um mar que secara há mais de mil anos. Pokémon que só podem ser encontrados no mar podem, também, ser achados aqui: muitos sobem a corrente atrás de mantimentos e águas mais calmas durante a época do acasalamento. Assim, fico olhando para este Murkrow infeliz; toda vez que molha o bico no lago é invadido por um arrepio de desgosto. O sal na água é muito e ele não consegue matar sua sede.

Franzo as sobrancelhas, como que me perguntando por que Jake quer que eu capture aquele bicho feio, mas estou falando do garoto que tem um Trubbish como mascote. Resolvo, então, não questionar muito mais.

— Ok. Ok, olhe e aprenda. — Puxo uma pokébola do bolso e, num estouro, materializo Houndour — Vamos mostrar do que somos feitos!




— B A T T L E —




Nem preciso dizer que Peter acha tudo isso ridículo. Daqui a pouco seus olhos cairão das órbitas de tanto que os revira. Não ligo. Houndour me olha, decidida. Ainda fico admirado toda vez que a vejo, lembrando-me de quando costumava ser apenas um filhote na época do colegial. Agora é uma Houndor adulta e encorpada, me encarando com confiança. Olho para Murkrow e para Houndour. Então, digo assim:

Flamethrower!

Atenta às minhas ordens, minha pokémon toma fôlego. Inspirando fundo e prendendo a respiração, enche o peito de ar. No outro instante, dispara uma espiral de chamas para o Murkrow; a torrente de fogo brilha laranja na imensidão do dia que escurece. O corvo, distraído, quase não percebe o ataque: uma hora olhava para a água, na outra sente o calor que se aproxima. Alça voo para ver-se livre do fogaréu, mas uma de suas asas é pega de raspão. O bicho crocita, num berro agudo, então vê que não há solução que não seja entrar nesta briga.

Faz sua maior cara de mau, num Mean Look horroroso, então voa para Houndour, planando alto no céu. Suas asas brilham por um momento, as penas agora como afiadas navalhas. Quando desce, é um Wing Attack que acerta minha Houndour, fazendo-a ganir de dor e recuar. Há um corte lateral que sangra em suas costelas, mas superficial. Ela rosna, todos os dentes à mostra, encarando Murkrow com seu melhor Leer.

Beat Up! Então, Fire Fang!

Houndour uiva num chamado, como um lobo que convoca sua matilha. Ao som de sua voz, minhas pokébolas se abrem e meus pokémon se libertam: Skorupi, Deino e Frogadier estão atentos à lider do ataque. Então, Houndour coordena a batida. Corre para Murkrow, salta, e atinge-o com seu corpanzil até que ele caia no chão. Assim, também, fazem meus outros pokémon: eles seguem Houndour e acertam o corvo repetidas vezes até que o efeito do Beat Up ceda e sejam convocados de volta às suas pokébolas. Ferido, nervoso e cada vez mais irritado, Murkrow levanta voo na esperança de fugir. Mas Houndour não pretende deixar.

Suas presas são envolvidas por chamas. Aquelas duas colunas de fogo que traz no lugar dos dentes são o que tentam enterrar-se no corvo. Houndour corre, salta pelas rochas mais altas e pula para cima do pássaro; morde o que consegue alcançar. Mas o bicho, ágil, voa para um lado e evita parte do ataque: só o suficiente para não cair vítima de Houndour. Ela havia conseguido ferir sua asa esquerda, a mesma antes pega no Flamethrower. Agora, com uma asa inútil, Murkrow se arrasta pelo chão. A luta terá que ser em terra.

Murkrow vê-se forçado a mudar de estratégia. Se antes os céus lhe davam a vantagem da evasiva, agora seus movimentos são limitados pela asa que pende bamba. Tem de pôr uma distância entre si próprio e Houndour ou estará perdido. Então, dá um grito agudo que deixa Houndour desnorteada. Era um Torment, feito na esperança de que minha pokémon não o morda de novo com aquelas presas de fogo. Depois, parte para um Tailwind de uma asa só: agita-a com força para criar uma tormenta de vento. Embora não seja tão eficaz quanto seria com as duas, o ataque é poderoso; varre tudo em seu caminho e acerta minha Houndour que cai para um lado, ferida.

— Levanta, Hound. Use Inferno!

Houndour se levanta e uma coluna de fogo desprende-se de sua boca para o céu. É uma onda de calor tão forte que meus olhos lacrimejam e Jake e eu temos que nos afastar da pokémon. Quando esta onda de raiva se dissipa, Houndour concentra todas as suas chamas para criar uma bola de energia, crepitando laranja à sua frente antes de dispará-la a Murkrow. O bicho é pego em cheio por aquela esfera de fogo e grita, o corpo todo queimando sob a força do ataque da pokémon.

Mas se levanta. Está um caco, cheirando a ave assada, mas se levanta; os pés tremem ao tentar pô-lo em pé. Então ele fica assim, parte do torso erguida, parte abaixada, inútil para o combate. É o momento perfeito de jogar a pokébola.




— B A T T L E ' s E N D —





A esfera gira pelo ar até cair sobre o corvo. Então, suga-o para dentro, fechando-se num clique. Tremendo para todos os lados, agitada, vejo o instante exato em que a luz em seu centro se dissipa. Murkrow fora capturado.

— Isso foi incrível! Jake grita quando chamo Houndour de volta à pokébola. — É muito diferente do método do Peter! Muito melhor!

— Ah, é? Como é que o seu irmão faz?

Peter se intromete:

— Eu digo a Jake que se um pokémon quiser mesmo segui-lo não vai ser através de uma batalha. É errado aprisionar pokémon contra a vontade deles. Trubbish, Mienshao e Hariyama escolheram ficar e nos seguir, então é por isso que os aceitamos. Por livre e espontânea vontade.

— Meu deus, você parece um daqueles moralistas chatos. — Falo e Jake ri. Infantilizo, então, sua fala, gesticulando como uma criança: Blá, blá, blá, pokémon são nossos amigos e não devemos lutar contra eles. Falando assim nem parece o mesmo cara que chutou a minha bunda na arena.

Peter, com raiva, cora até as orelhas. Eu disse a coisa errada de novo e o silêncio que se instaura é denso o bastante pra cortar com faca. Depois de algum tempo, Howard diz a Jake:

— Vai buscar os sanduíches no carro.

— Mas eu quero procurar pokémon e-

— Jake, vai agora.

Emburrado, o menino sai pisando forte e boquejando. Ele já está muito longe, próximo à picape estacionada, quando Peter olha para mim de um jeito que poderia matar.

— Nunca mais fale disso na frente do Jake.

— Por quê? Ele não sabe?

— Não. Nem nunca vai saber. Eu não vou incentivar ele a lutar, Mark. Prefiro mil vezes que Jake vire um criador ou qualquer coisa assim a lutar por aí em ginásios e sair em jornada. Treinadores... Treinadores sofrem.

Os olhos de Peter contam histórias de dores passadas, então resolvo não me meter mais. Ele sorri, por fim, desfazendo toda a atmosfera pesada e diz que devemos nos juntar ao seu irmãozinho: a comida que ele fez está ótima e nossos estômagos começam a roncar.

Nós dois nos achegamos ao carro e aos sanduíches e fazemos nossa refeição sobre a carroceria da caminhonete. Assistimos as primeiras estrelas despontarem no céu, pálidas contra o negror da noite, e ouvimos ao pio dos Noctowl e Hoothoot em profundo silêncio. Não é ruim ficar aqui, na companhia desses dois, em meio ao cicio dos grilos e ao coaxar dos sapos. Em verdade, é até bom. É tranquilo e me faz ter algo que eu já não sabia ser capaz de sentir: paz de espírito.

O que eu queria mostrar a Jake não começa antes da meia noite. Mas a espera vale cada um dos minutos.

O céu de Santalune dali, tão perto das montanhas, é claro e cheio de estrelas. Não há sinal de nuvem ou de poluição; apenas a clareza de uma noite pura em Kalos. Então, como que de repente, um clarão corta o céu, rápido como um raio, mas bonito e único como uma cauda de fogo que derrete e cruza a imensidão celeste. Jake, antes quase dormindo, grita num rompante:

— Nossa! O que foi aquilo?

— Foi uma...

— ... estrela cadente, é. — Cruzo os braços sobre os joelhos, sorrindo.

— Mas eu nem fiz um pedido!

— Então por que não faz um agora?

Aponto para o céu e o queixo de Jake e Peter não pode cair mais.

Não se trata de uma estrela cadente. Se trata de uma chuva de estrelas cadentes. Elas caem, uma após a outra, num balé secreto, chovendo para a terra. São caudas de fogo, brilhando como cometas, salpicadas numa chuva de prata. Jake pisca para cada uma que consegue, fazendo um pedido que só ele sabe. Quando tento arrancar o que o menino pedira, ele só diz que se contar não se realiza. Digo para não ser ruim: um pedido que não se realize de tantos não deve ser nada. Ele ri, mas seus olhos continuam pregados no céu e nas estrelas que chovem.

Sou o único que não está olhando para o céu.

Estou olhando para Peter.

Em seus olhos fascinados vejo o reflexo de todas as estrelas que caem sem parar. Naquelas íris vejo um espelho do céu e não há motivo no mundo que me faça virar o rosto agora. Ninguém me percebe o encarando assim, tão intenso; estão muito focados na noite e na chuva e em todas estas estrelas cadentes.

— Como você sabia? — Peter só pergunta quando a queda cessa e Jake se aconchega entre nós para dormir. As íris que eu observava agora estão coladas nas minhas.

— Eu já quis ser astrônomo. Desisti disso há muito tempo, mas ainda sigo... esse tipo de coisa. Como um hobby. Da cidade não dá pra ver, por causa da poluição. Tinha que trazer vocês pra cá.

Peter sorri pra mim e eu sinto meu estômago dar uma volta completa.

— Obrigado por ter mostrado isso pra ele, sabe? Por ter... nos trazido aqui. — O sorriso desaparece, mas os olhos não me deixam — Nós estamos passando por tanta coisa. Estou sob tanta pressão... que às vezes eu só quero sumir. É tão difícil engolir meu orgulho. É tão difícil... continuar em frente. Mas agora tudo o que importa é que eu estou aqui com o Jake. E com você. E é só o que eu preciso.

Engulo em seco.

Nós estamos tão perto, tão perto agora, que posso contar cada um dos cílios nos olhos de Peter. A respiração dele está gelada: sei disso porque ela brinca em minha bochecha. Estou tão frio; as palmas das minhas mãos estão congelando, minha espinha se arrepia. Meus olhos, antes nos dele, descem para aqueles lábios partidos, sempre quebradiços e anêmicos.

E eu quero beijá-lo.

Quero muito, muito beijá-lo.

Fecho os olhos, me inclino. É minha imaginação dizendo que Peter faz o mesmo?

Peeta.

Jake entre nós é quem acaba com o clima.

Me afasto de repente. Peter, logo adiante, tem uma expressão indecisa: parece decepcionado, mas cheio de alívio. Vira para Jake.

— O que foi?

— Tenho escola amanhã. — Do alto de seu sono, Jake esfrega um de seus olhos, encolhido sobre o chão duro da carroceria.

— Nós devemos voltar. — Puxo um cigarro, só pelo bem do hábito. Não vou acender perto da criança — Já tá bem tarde.

— É. Acho que sim.

Deste modo entramos os três na caminhonete e eu dirijo de volta a Santalune. Peter faz questão que eu guie pro meu hotel, ao invés de deixá-los em casa e voltar para lá a pé.

— Tá maluco? Acha que eu vou te deixar assim há essa hora para ser assaltado? — Foi o que disse quando aleguei que o carro era dele e que era melhor assim. Então, tomou a direção de mim e me trouxe até aqui.

Abaixando o vidro do passageiro, ao lado de um Jake que dorme, Peter ainda sorri e me agradece uma vez mais.

— Não... Não tem de quê. — Balbucio.

Fico, então, na rua, assistindo-o dirigir até sumir de vista. Quando não há mais nem sinal da Toyota nesta avenida, subo ao meu apartamento. Tomo um banho, troco de roupa, deito. Mas por mais que tente, não consigo dormir.

Aquelas íris e as estrelas roubaram meu sono.


Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 22:34, editado 1 vez(es)
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Mensagem por BellWolf 28th abril 2014, 13:25


Avaliação
Vamos ver como você se saiu!



O que eu posso dizer? Foi perfeita. Simplesmente sensacional. Parabéns de novo.

Captura julgada como Ótima. Held Item: Focus Sash


Querendo fazer time dark né? sei

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Mensagem por Convidado 29th maio 2014, 19:13





with all the ghosts
and faded lines




the end is where we begin:
pt. I - when we were young;
captura de pawniard
be warned! insinuação sexual




Enquanto fico aqui, seguindo manchas no teto porque o sono não virá, são as lembranças todas que voltam à tona: elas surgem num repeteco, como que num disco arranhado; uma fita enroscada para sempre num filme ruim. Fecho os olhos, tento livrar-me delas, mas quando os abro não encaro mais o teto.

Encaro o céu claro de um dia de primavera.

Também já não sou o rapaz de Lumiose que fora esquecido, apagado da memória de todos semanas antes de seu casamento. Sou só Mark, o menino: filho dos Sheppard, de Santalune. Um garotinho de mochila de herói às costas, deitado na grama da escola por achar todas as matérias e a vida um saco. Agora é um tempo duplo de Inglês e eu — um moleque de oito anos — me deito no jardim da Elementar seguindo as nuvens que passam vagarosas. É um ritual meu, este. O de matar aulas para deitar aqui em silêncio, vendo o tempo passar do lado de fora e escorrer para o lado de dentro. Gosto dessa paz, dessa tranquilidade preguiçosa que vem quando olho demais para a brancura perfeita no céu. De vez em quando pegava no sono as olhando e só acordava lá pelo meio dia, sob o sinal de ir embora. Mas isso era antes. Antes de eu ter companhia.

Há um garoto a meu lado, deitado, inquieto. Enquanto fico aqui, num quase sono indolente, ele não consegue fazer o mesmo: se remexe de cá para lá, hiperativo. Vira, lida, brinca com sua Oddish. Tenho vontade de perguntar se tem pulga na cueca, formiga nos sapatos, caca na cabeça.

— Mark — Finjo que durmo. Quem sabe ele desista — Ei, ei, Mark!

Como não respondo, o garotinho acha que é uma boa ideia cutucar meu nariz com aquele bicho dele. E eu espirro, forte o bastante pra me pôr sentado.

— Para, pô! — Seco o nariz ranhoso; muco sobre a manga do moletom — Que que é, hein Peter?

Apesar da minha ira há um sorriso naquele rosto sardento. Um sorriso meio banguela, feito de janelas, porque Howard está trocando a dentição.

— Me conta de novo como explodiu o laboratório?

Suspiro e o olho como se só o estivesse vendo agora. Como foi que acabei com esse garoto me seguindo?

Ah. Foi tudo culpa do primeiro dia letivo.

Naquela ocasião eu passava pelo playground velhíssimo e assustador da escola, com seus bichos horríveis feitos de metal, quando o vi ali, cercado por uns garotos mais velhos que o empurravam e chutavam suas coisas. Howard chorava como um bebê, o nariz escorrendo, os pés saltando para alcançar sua mochila segura tão alto e tão longe e tão fora de alcance. Era uma vítima tão fácil que era até cômico.

E eu o ajudei.

Que fique bem claro que não foi algo intencional. Meu lema de vida, pelos muitos anos que se seguiriam, seria sempre o mesmo: não se meta. Cada um com os seus problemas. Mas, ao que parece, eu havia criado fama na escola por ter explodido o laboratório. Fora um acidente, mas uns ignorantes aqui e outros acolá achavam que eu havia feito tudo de caso pensado, como um daqueles terroristas que se viam nos filmes. E talvez, só talvez, eu já causasse medo antes: era o aluno mais alto da terceira série. Tinha uns bons quinze centímetros a mais do que todos os nanicos com quem compartia sala. Ninguém nunca ousou me incomodar.

Patético Foi o que bastou para mandá-los correndo sabe Deus pra onde, deixando para trás as coisas de Howard espalhadas.

Ele não se abaixou para pegá-las.

Virou-se pra mim, com aquele nariz cheio de muco, e disse:

— É você o garoto da explosão? Nossa! Você deve ser o cara mais legal do mundo! — E me deu um sorriso tal qual esse que tem agora, esperando que eu repita a história.

— Eu já disse que foi um acidente.

Peter nunca mais parou de me seguir.

— Você é o meu primeiro amigo, sabia? — Disse ele, certa hora.

(Por que o nariz dele sempre escorre? E a boca dele é branca desse jeito mesmo ou é anemia?).

— Não somos amigos.

Mas se eu fosse dizer a verdade nós éramos. E continuaríamos sendo até o colegial.

Melhores amigos.



[ . . . ]



Peter trocava de pés toda hora, segurando sua Oddish numa das mãos e minha camiseta com a outra. Andava atrás de mim, lutando para não tropeçar nos próprios pés. Olhava para baixo todo tempo, chorando, fungando e secando o nariz. Duas ou três vezes eu disse que ficaríamos bem, que não havia nada com o que se preocupar, mas nem eu estava certo se o que dizia era verdade.

Estávamos perdidos naquela chuva maldita que não parava de cair; um oceano inteiro despejado em nossa cabeça.

Perdidos. Perdidos numa viagem de escola, organizada por nossa turma ter vencido um concurso de Ciências. O projeto todo fora ideado por nosso professor, mas montado por nós, crianças. Grande parte dele fui eu mesmo a fazer. Eu era, então, o prodígio nestas artes nebulosas desconhecidas a nós, pirralhos: a química e física do colegial. Fato que ganhamos esta viagem para cá, para Ambrette Town, onde as praias eram bonitas, o mar rebentava contra os rochedos e as montanhas se erguiam sonolentas atrás de nós. Por votação da maioria ficou decidido que acamparíamos alguns dias das primeiras semanas; os demais, passaríamos no resort.

Este era um dia de acampamento. Só mais um, dos muitos que passávamos assando marshmallows e contando histórias de assombração em torno da fogueira, tremelicantes de frio. Só mais um, em que ouvíamos longos uivos na noite pia das montanhas e o crocitar dos Murkrow, junto do canto dos Hoothoot.

Mas agora os uivos estavam muito próximos, o crocitar muito alto e a noite não carregava piedade: trazia sombras cruéis projetadas em todo canto. Eu tremia, Peter também. O choro dele me dava nos nervos; eu não sabia ser forte por nós dois. E como foi que nos perdemos? Num desafio de coragem imbecil. Tínhamos de carregar lanternas de um ponto a outro, estipulados pelo nosso guia de camping. Estes lampiões, agora mudos, havia muito se apagaram; carregávamo-nos assim mesmo, só pelo alento que traziam. Bem, a culpa era minha. Disse conhecer um atalho: um meio de chegar mais rápido e vencer a competição.

Agora estávamos perdidos, com fome e frio, assustados até a alma e molhados como gatos pingados neste escuro de morte.

— Vai ficar tudo bem. Confia em mim.

— Estou com medo...

— Eu sei. — Eu também.

Tateei a esmo, tentando achar o caminho. Toda hora topávamos com galhos, raízes, tocos de árvores. E Peter não parava de chorar. Dizia que queria ir pra casa, que preferia nunca ter vindo, que não devíamos ter tomado aquele atalho e que deveríamos ter ficado com o grupo. Eram tantas as reclamações e choramingos que minhas costas ficaram tensas, soltando notas de estremecimento. Veias pulsavam em minha testa. Meu peito martelava como um pistão. Eu queria gritar: gritar que calasse a boca, gritar que eu sabia que a culpa era minha, mas droga! Parasse de chorar como um maricas!

Então me virei, o segurei pelos ombros e gritei; toda a minha tensão dissipava conforme as palavras arrebentavam no ar da noite, altas como o estouro de um trovão. Não ligava mais se chamássemos a atenção de pokémon selvagens, não ligava mais se estávamos perdidos e tínhamos de suportar a companhia um do outro até acharmos o acampamento. Eu queria que Peter calasse a boca. Então, abri a minha.

Só não esperava que ele fosse correr.

Ele fugira do meu aperto tão logo a última sentença escorregara de minha boca. Não lembro o que disse: talvez algo sobre ele ser um bebê chorão, vá saber. Só sei que correu como se não houvesse amanhã, topando por aquele cenário de floresta e de montanha, guinchando quando galhos o cutucavam nas costelas. Por um momento, cogitei deixá-lo ir. Mas estava escuro, chovendo, e aqueles bosques eram perigosos. Além do mais, ele estava correndo na direção errada.

Fui o mais rápido de nós dois. Talvez fosse minha constituição, talvez fosse Peter correndo de olhos fechados, chorando e segurando seu Oddish e topando em coisas, mas fosse como fosse consegui alcançá-lo e puxá-lo de volta. Não vi onde estávamos, nem me dei conta do chão escorregadio e do musgo macilento.

Num instante, pisávamos sobre solo firme. No outro, deslizávamos para uma queda infinita. O precipício se descortinava diante de nós. Meu grito e o de Peter ecoaram iguais.

Rolamos pelo barranco, cambalhotando pela terra e pelas rochas, acertados nas costas pelos solavancos e pancadas toda vez que comíamos um pouco mais de lama. Oddish voara dos braços de Peter e saíra rolando e rolando para longe, até perder de vista.

Fui o primeiro a atingir terra firme. E, acreditem, doeu. Doeu muito. Peter, chegando depois, teve uma queda tão suave quanto a minha: seu grito encheu a noite, suplantado pelo brado da tempestade. Ao contrário de mim, ele não se levantou. Ficou no chão, guinchando e segurando o joelho, ferido e sangrante.

— Peter!

Preocupado como o diabo, corri para ele. A ferida parecia horripilante a um garoto de dez anos: o sangue vertia quente e escorria para a chuva fria, dissolvido numa poça escura. Não recebi resposta alguma além de outro grito, idêntico ao primeiro, quando Peter resolveu se arrastar para mim.

Então vi o que o atingira. Era um ser como um anão, como Rumpelstiltskin saltado direto de um livro infantil. Uma criatura feita de trevas, o corpo coberto de lâminas afiadas e cintilantes que faiscavam toda vez que ele as inferia umas contras as outras. Minha pokédex — tão de praxe que todas nós crianças a tivéssemos! — disse ser um Pawniard. E ele não estava nada feliz agora que Peter caíra em cima dele. Duvidava que fosse estar feliz de qualquer jeito.

— Mark, me ajude... — Sua voz morria quando sua mão fraca alcançou meu tênis.

E eu quis morrer por ter gritado com ele. Tudo... Tudo culpa minha. Como poderia ajudá-lo? Nem um pokémon eu tinha!

— Peter... Peter, me empresta isso, ok? — Agachei-me e fucei em seus bolsos, nervoso. Encontrei, então, o que tanto procurava: esferas vermelho e brancas que se ampliaram em minhas mãos. — Certo. Você, cara de bosta! Toma isso!

Me deem um desconto: eu nunca havia capturado um pokémon antes. A bem da verdade, eu jamais batalhara com um pokémon que não fosse os de treino da escola. O que eu sabia sobre estes seres era o que estudávamos nas classes onde, geralmente, estavam mortos e prontos para serem dissecados. Conhecia-os de dentro para fora; não entendia nada das mecânicas que moviam este mundo. Quem ambicionava ser treinador era Peter, não eu.

Assim, arremessei a pokébola para cima do Pawniard sem pensar duas vezes. Ela o acertara na testa, o sugara para dentro e, nem bem se fechara, o bicho já figurava à minha frente, liberto. A pokébola caíra a seu lado, inútil; apenas uma cápsula oca e escura que se enchia de água. Peter puxou as barras das minhas calças.

— Tem que... lutar com ele primeiro...

— Como? Eu não tenho um pokémon.

— Use minha Oddish.

Certo, eu usaria se soubesse onde estava. Ela havia rolado durante a queda e ido parar longe, tão longe que eu não tinha nem ideia de onde pudesse ter parado. Resolvi, então, gritar por ela: do fundo do pulmão, num brado que explodia na noite. Pawniard deve ter achado que meus gritos eram uma ameaça. Deve ter sentido minhas intenções, porque no outro instante saltava para mim como torpedo; as lâminas afiadas prontas para rasgarem minha garganta.

O ataque nunca acertou. Oddish, saída do nada, pulou sobre mim e me derrubou no chão; as costas doendo, horríveis e feridas.

— Nunca fiquei tão feliz em te ver. — Minhas mãos se enterraram por sua folhagem, afáveis. Então me lembrei do porquê de estarmos ali — Agora vamos acabar com isso.




— B A T T L E —



Me levantei com dificuldade; a roupa cheia de lama, os joelhos ralados. Peter permanecia a meus pés, no chão. Oddish, determinada, trazia no rosto uma carranca decidida. Ela não ia arredar pé até ter protegido seu mestre: até Pawniard jazer no chão, inconsciente. Eu não queria nada no mundo além do mesmo que ela. Meus pensamentos estavam focados em tirar Peter dali e fazer o sangue parar de escorrer; muito sangue, tanto sangue.

Peguei minha pokédex para saber o que poderia ou não fazer com o bichinho de Howard. Oddish aguardava minhas ordens enquanto Pawniard se reposicionava, recuperando-se do ataque anterior. Voltara-se para ela com a mesma fúria que antes direcionava a mim. E a Peter. E ao mundo. Era uma criatura revoltada, aquela, e não ia parar até ter descontado sua fúria sobre alguém. A bola da vez era a plantinha, iluminada de quando em quando pelos relâmpagos que serpeavam no céu. Suas lâminas brilharam e, uma vez mais, Pawniard lançou-se vicioso sobre Oddish com um Fury Cutter incapaz de ser detido.

Num reflexo, gritei assim:

— Pula agora!

Ao que a pequena respondeu com um salto magistral. Ela havia sido bem treinada, enfim. Seus pés, antes no ar, encontraram repouso na cabeça de Pawniard conforme o enterravam na direção do chão. O Fury Cutter, planejado para atingi-la, acertou apenas o solo duro da montanha. As lâminas se fincaram sobre a terra, incapazes de parar, acertando e acertando numa fúria descontrolada. Era a minha chance.

— Agora, Oddish! — E consultei minha pokédex, pelo bem da precisão — Er... Lucky Chant! E então Mega Drain!

Eu mal sabia o que estava fazendo, mas, — por todos os santos! — esperava que desse certo. Oddish fora toda recoberta com um brilho roxo enquanto entoava uma espécie de canto; era seu Lucky Chant, um movimento preventivo que, conforme minha pokédex dizia, impediria Pawniard de lhe desferir qualquer acerto crítico. Ótimo. Talvez isso pudesse me dar algum tempo. Então, de roxo o brilho passou a branco, enquanto um raio como vórtice a envolvia e a Pawniard, sugando dele energia vital. Quando terminou, Oddish parecia revitalizada da queda; suas feridas e arranhões haviam sumido. Só que Pawniard não parecia ter sentido seu ataque tanto quanto eu previra.

Sequer pude ver quando o selvagem, mais rápido, avançara para Oddish com as lâminas prontas para um ataque. O Scratch acertou-a direto no rosto, mandando-a girando com um guincho para perto dos meus pés. Aquilo era seiva escorrendo de sua face? Sempre me perguntei se pokémon planta sangrariam. Só que não podia me focar nisso, tinha que me focar em vencer a batalha. Por que os ataques de Oddish não surtiam tanto efeito em Pawniard? Consultei a pokédex. Ah, como pudera esquecer? Aquele selvagem tinha a vantagem do tipo. Eu precisava... aumentar o poder de Oddish de alguma forma. Então, procurei desesperado entre os ataques que ela sabia.

— Muito bem, Oddish! Use Grassy Terrain! Isso deve te dar alguma vantagem. Então, tente o Mega Drain!

Oddish pusera-se a dançar, chacoalhando as longas folhas que tinha, gingando seu corpo de cá para lá. Seguindo seus movimentos, a relva fresca passara a despontar do chão; onde antes havia apenas a superfície pedregosa da montanha, agora havia uma grama verde e bem cuidada como a de um jardim. Seguindo o que eu dissera, Oddish tentara seu Mega Drain outra vez e, agora, Pawniard parecia ter sentido um pouco mais. No entanto, devido ao Grassy Terrain, tanto Oddish quanto Pawniard pareciam dispostos a continuar aquela batalha.

Como que para provar isso, nosso adversário saltou para Oddish, as lâminas brilhando brancas. Sua velocidade superava tanto a da pokémon quanto a minha, de raciocínio. Então, o Metal Claw a acertara em cheio e, uma vez mais, Oddish viu-se sendo lançada de volta pelo cenário, rolando para perto de um Peter caído e de mim.

— Levanta, Oddish. A gente consegue! É só... É só você usar... Giga Drain! E Petal Dance!

Semelhante ao ataque que usávamos antes, Oddish fora recoberta por um brilho que a ligou a Pawniard, sugando sua energia. Graças à mudança no terreno, os ataques de Oddish eram muito mais fortes; Pawniard guinchara enquanto sua vida era drenada. Então a plantinha passara a girar e a girar em seu próprio eixo, libertando centenas de pétalas rosas. Movidas pela mesma dança da pokémon, giravam como num tornado, ganhando velocidade e força. Pawniard, que ao fim do Giga Drain preparara-se para outro Scratch, fora barrado pela força das pétalas e arremessado para trás.

Toda vez que tentava atacar, fosse como fosse, as pétalas o repeliam e, a cada ataque, ele ia ficando mais e mais fraco pela força de Oddish. Se o Grassy Terrain também o estava curando, o mesmo era válido para a pokémon que eu usava; ela, porém, não estava sofrendo dano algum. Posta no centro daquele furacão de pétalas, Oddish atacava e defendia-se ao mesmo tempo. Enfraquecido, ofegante e ferido pela dança das flores, Pawniard era o alvo perfeito para minha pokébola.




— B A T T L E ' s E N D —



— Vai pokébola!

Joguei outra das esferas de Peter, esperando que dessa vez o selvagem ficasse preso lá dentro. Oddish, ao terminar seu Petal Dance ficara tonta e desnorteada; não sabia mais distinguir direita de esquerda. Se Pawniard não fosse capturado estaríamos em maus lençóis. Eu não acreditava que a plantinha estivesse em condições de continuar, agora. A pokébola caiu ao chão, trêmula. A luz vermelha piscava em seu centro, sem parar. Eu, ansioso, roía as unhas. Só que ela parou, por fim, com Pawniard capturado. E eu vibrei:

Isso! Eu sou demais! Eu sou demais! Somos demais!

Corri pegar Oddish no colo e girar com ela. Péssima ideia. Se já estava tonta de tanto girar em seu Petal Dance, quando a girei, o bicho acabou vomitando uma baba verde em meus braços. Enojado, larguei-a no chão.  Culpe meu estômago fraco, mas quase acabei vomitando junto. Só que não havia tempo a perder. Agora tinha de cuidar de Peter.

— Cara, você viu? — Tirei minha própria blusa para improvisar um curativo: apenas um nó em torno da ferida para estancar o sangue — Eu consegui!

— Vi. — E um sorriso fraco — Será que agora dá pra gente sair daqui?

O ergui. Tive de sustentá-lo o caminho todo, um dos braços passado em torno de meus ombros, o peso do corpo apoiado em mim. Andamos assim pela chuva, lutando para não escorregar pelo trajeto lamacento, tentando nos orientar de alguma forma. Iríamos ficar presos ali para sempre? Fiquei pensando que se Pawniard já fora um oponente difícil, o que aconteceria de nós se encontrássemos um Ursaring? Ou coisa pior?

Estava cansado. Não sabia nem se conseguiria continuar caminhando sozinho, quanto mais carregando Peter, que mal pousava os pés no chão. O sangramento parara, mas Howard estava fraco e branco como papel. Ficava, então, conversando com ele toda hora para mantê-lo acordado; se desmaiasse eu não queria nem pensar no que aconteceria.

Quando achei que não conseguiria dar nem mais um passo, vi o vulto do que parecia ser uma construção. O que seria, no meio da floresta? Marchei para lá, arrastando Peter, só para perceber que era uma cabana abandonada. Meu senso de garoto pôs-se todo em alerta: cabanas abandonadas em florestas sempre eram cenários propícios a filmes de terror. Mas isso não era um filme e entre ficar nesta tempestade e enfrentar este medo bobo eu preferia me arriscar.

A porta estava aberta, o interior escuro e havia goteiras e infiltrações no teto. Os cômodos recendiam a bolor e a umidade. A lareira jazia a um canto, muda. Não tínhamos como acendê-la, muito menos tínhamos lenha, mas pelo menos nos abrigaríamos da chuva sobre aquele chão frio. Não havia móveis ali; os poucos que restaram estavam carcomidos pelo tempo, pelas traças e cupins. Os sofás eram só esqueletos sem estopa. As cadeiras permaneciam bambas sobre poucos pés. A única coisa que permanecera era um tapete magro e puído, corroído nos cantos, mas intacto no meio.

Deitei Peter lá e me joguei do lado, assistindo o tecido ir se encharcando por receber estes dois garotos empapados da tempestade.

— Nós vamos ficar bem.

— Vamos... Vamos sim.

E Peter apagou.

A noite toda foi envolvida numa ânsia de febre e de pesadelo em que ele chamava nomes, incoerente. Naquele frio, tive medo de que pegasse pneumonia. Não consegui dormir, mas deixei que se achegasse a mim. Eu, também, estava gelado; tremendo e doído até os ossos. Mas antes esse calor do que nenhum. Lá pelo meio da noite, Peter agarrou minha mão e assim ficou. Fui incapaz de puxá-la de volta. De manhã saberíamos que a dita cabana ficava a menos de quinhentos metros do local atual do nosso acampamento; os grupos de busca despontariam ali antes de raiar o sol. Mas agora, com a mão de Peter na minha e a febre o fazendo tremer e delirar, eu só conseguia pensar em como eu não queria estar em lugar nenhum do mundo que não ali.



[ . . . ]



Quando fiz treze anos percebi. Que não era normal. Não podia ser normal.

(Nós éramos próximos demais).

Eu estava ali, parado atrás da mesa do bolo, sorrindo como quem sente dor, posando para todas as fotos de família e para os álbuns de recordação. Meus pais passavam os braços em torno do meu pescoço e esbanjavam sorrisos falsos. Diziam: "Sorria!" e eu me esforçava numa careta para segui-los.

É importante parecer bem e essa talvez tenha sido a máxima que esses dois me ensinaram. Sorria, mesmo que seu mundo esteja caindo e sua vida seja uma droga. Sorria, vamos, sorria! Quando os flashs cegantes finalmente foram tirados do meu rosto, foi minha vez de cortar o bolo. O primeiro pedaço, é claro, foi para minha mãe amada. O segundo para meu pai querido. Queria que os dois se afogassem com os morangos, se engasgassem com a massa, mas o sorriso... ah, o sorriso continuava ali.

Quando todas as pessoas me esqueceram em meu próprio aniversário, empolgadas para pegar os últimos doces das mesas, resolvi que era hora de parar de fingir. Meu rosto podia voltar ao que sempre fora: essa máscara perfeita de apatia. Eu podia voltar a achar o mundo pavoroso, minha vida um tédio, essa festa uma porcaria. Voltar a andar com a única companhia que eu suportava. Peter, com seus cabelos despenteados e cadarços soltos. O pobretão de Santalune.

— Feliz aniversário, Mark.

— Você já disse isso. — Mas e aquele sorriso, Sheppard? Era pra quê, mesmo?

— É. Já, né?

Eu escolhi não ver que Peter estava sem graça por não ter me trazido um presente. Ele e seu pai estavam na pindaíba de novo e Howard não podia se dar ao luxo de gastar com algo que não fosse, sei lá, comida. Queria dizer que estava tudo bem, que eu não precisava de mais nenhum presente: meus pais fizeram questão de me comprar montanhas aquele ano só para enfeitar a cama e exibir pros parentes. Cada uma daquelas coisas iria ficar enfurnada num quartinho da bagunça assim que a festa acabasse e eu percebesse que não queria nada daquilo. Talvez algumas eu nem tirasse do pacote e desse a Peter em seu aniversário.

— Quer ir lá pra fora? — Disse, entediado de ficar ali dentro. Queria respirar. Ali, todos aqueles rostos me sufocavam. Eram rostos de que não me lembraria pela manhã.

— C-certo. — Impressão minha ou Peter estava nervoso? — V-vai na frente. Eu tenho que ir ao banheiro.

Achei estranho ele ter me dito para ir na frente ao invés de esperar. Minhas sobrancelhas se encontraram, desconfiadas.

Ali tinha. Eu sabia que tinha, mas minha curiosidade venceu a desconfiança e eu resolvi fazer o que Peter disse. Queria descobrir o que ele iria fazer porque ir ao banheiro é que não era. Atravessei a casa ao lado dele, assistindo-o sumir pelo corredor. Não o segui. Antes fui lá para fora, passando pela porta e descendo os degraus da frente aos saltos. Esperei ali, mãos nos bolsos do moletom, olhando para a rua e para as nuvens e para o nada. Minha mente estava cheia de Peter. O que ele havia ido fazer lá dentro? Por que não quis que eu esperasse? Para que tanto suspense?

Não demorei muito a saber. O barulho da porta aberta delatou Howard atrás de mim.

Quando me voltei havia um pacote em suas mãos: uma embalagem comprida embrulhada em papel azul, encimada por um laço de fita improvisado. Tive certeza de que Howard fizera a coisa toda.

Meu queixo caiu. Por que não havia visto este pacote antes? Não, não. O importante era por que Peter estava me dando um presente. Ele não tinha como pagar, por Deus! Esperei, do fundo do coração, que fosse um porta-retratos. Só que o embrulho era grande demais... Bonito demais... Santo Cristo. Ele e o pai deviam ter declarado falência pra comprar algo pra mim.

E lá vinha ele, vermelho. Não sabia onde esconder o rosto, então se escondeu atrás do embrulho. Que ideia idiota. Minha vontade era de dizer para que olhasse por onde andava. Minha boca até abriu, mas foi tarde demais.

Peter escorregou sobre o primeiro degrau. Os pés, de cadarços desamarrados, tropeçaram uns nos outros. Eu não pude evitar sua queda. Até tentei correr pra lá, mas minhas mãos estavam nos bolsos: não consegui amparar ninguém. Meu corpo, no trajeto, entrou em rota de colisão: caímos os dois na grama da frente. O embrulho foi arremessado tão pra longe... Ouvi algo quebrar.

Minhas costas bateram com força, meus óculos voaram do rosto. Eu não enxergava nada além de vultos então. Vi apenas o bastante pra saber que Peter estava caído em cima de mim, as mãos ao lado do meu corpo buscando sustento, as pernas ladeando as minhas. Eu me suportei sobre os cotovelos e procurei pelos óculos perdidos; fui encontrá-los mais adiante, após tatear a esmo.

Quando os recoloquei no rosto percebi que errei.

Eu assim, sobre os cotovelos, e Peter, sustentado sobre as mãos, ficamos próximos. Próximos demais.

Os olhos dele estavam tão perto dos meus; poços escuros que eram buracos negros engolidores de planetas. Lacrimejavam, aqueles olhos bonitos; choravam o presente perdido. Só que eu não conseguia dizer que não importava. Era o nariz dele, frio contra o meu, que me emudecia. Eram as bochechas vermelhas, os lábios brancos, as sardas... Os olhos que me engoliam inteiro. Eu queria... fazer alguma coisa que não sabia bem o que era. Eu queria que essa distância se extinguisse, mas não sabia como. Então, cometi a besteira de mover o meu joelho.

Minha perna esbarrou nele e eu senti algo entre suas pernas. Algo que não deveria ter acontecido.

— Você está duro?

Alguém me desse um tiro. Um Rhyhorn teria sido mais sutil.

O rosto de Peter entrou em combustão: mesmo quando se afastara de mim eu senti o calor de suas bochechas. Até as orelhas avermelharam; Howard havia se transformado num tomate. Ele se apressou a sair de cima, mas o mal já estava feito e meus olhos continuavam arregalados; meu queixo continuava caído.

Peter se levantou, forçando a blusa para baixo para esconder o que eu já havia visto. As mãos encontraram a frente das calças e lá ficaram. Seus olhos achavam muito interessantes os insetos no chão.

— Na-na-não estou. Olha Mark... Feliz aniversário e... É isso! Tchau!

Por que ele estava correndo?

Eu assisti as costas de Howard se afastando enquanto ele fogia desesperado. Devia pensar que eu o odiasse ou algo assim, mas a pior parte é que eu nem repulsa senti. Não. Eu só ficara sem ação; eu não soube o que fazer, além de abrir a minha maldita boca.

Quando Peter sumiu de vista me lembrei do presente caído. O mesmo que quebrara com a queda, o mesmo do embrulho bonito, o mesmo que Howard fizera questão de me dar. O pacote estava lá adiante, amassado, e quando me acheguei junto a ele e o tomei nas mãos havia um bilhete em letra tremida que dizia assim:



Mark,

Espero que goste. Foi a única coisa que consegui pensar em te dar.
Feliz Aniversário!


E, apertadas por falta de espaço, as palavras:




P.S: Ah, é do Peter viu? Seu melhor amigo.



— Como se eu não fosse saber. Seu idiota. Idiota!

Quebradas em seus bonitos suportes, sob o papel de embrulho e o laço de fita, estavam as mais caras lentes de telescópio que eu já vi.


Última edição por Nesquic em 3rd setembro 2014, 23:02, editado 1 vez(es)
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Mensagem por Akira' 29th maio 2014, 19:28

Esse texto. demi
Eu já disse que é perfeito? <3

Só não gostei disso: "O que eu sabia sobre estes seres era o que estudávamos nas classes onde, geralmente, estavam mortos e prontos para serem dissecados"
Seus sem corações! Ficam matando os bichinhos! Cadê o Ibama do Mundo Pokémon?!
UHSASH

Ficou tudo ótimo, Deerling. Então estarei avaliando como Ótimo e seu Pokémon virá com Metal Coat. :Sr:
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